Nota
O mais curioso no trabalho da cineasta mineira Petra Costa (responsável também por Olmo e a Gaivota e Elena), é que ele funciona quase como uma expansão mais ambiciosa de O Processo (2018), dirigido por Maria Augusta Ramos. Enquanto aquele filme era focado especificamente na problemática do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, Democracia em Vertigem, original Netflix e pré-candidato ao Oscar 2020, tem como objetivo central uma revisão ultra pessoal e poetizada da ascensão e queda do Partido dos Trabalhadores no Brasil, costurando ao longo do caminho o discurso de antítese ao ódio e ao fascismo que, na postura política do filme, culminariam na eleição de Jair Bolsonaro.
Narrado em primeira pessoa e refletindo sempre os sentimentos da autora diante da história que seu país vivencia, o documentário encontra em seu componente pessoal tanto sua força como sua limitação. Por um lado, a parcialidade é plenamente assumida e a correlação dramática da tragédia política com o fator familiar/íntimo da diretora. Por outro lado, além de a solenidade da narração minimizar o efeito trágico dos acontecimentos (o que é até contraditório, vide a ordem ideológica progressista do longa), Democracia em Vertigem constantemente quer vender e embalar a falsa ideia de estar traçando um discurso ativista – uma leitura política de grande profundidade.
Quando, na verdade, o que mais impressiona e impacta no filme de Petra Costa não são suas reflexões ou divagações acerca do tema, mas a captação de momentos/falas tão absurdos que, na acumulação de outros absurdos à nossa volta, já foram até esquecidos (é comum o sentimento de “nossa, isso realmente aconteceu” ao longo do documentário). Ela sem dúvida sabe criar imagens muito potentes e trabalhar com simbologia, mas seu maior mérito aqui está na competente montagem e na força do didatismo – que dialoga tanto com quem lembra perfeitamente de todo o período como com quem está acompanhando pela primeira vez.
Deve ser uma experiência interessante assistir a Democracia em Vertigem daqui a alguns anos, quando muito do que está retratado no filme tiver se desdobrado – para melhor ou para pior, quem sabe – e sua completude temática for colocada em teste. É, de fato, uma tarefa desafiadora lidar diretamente com acontecimentos políticos em curso à época das filmagens. Em alguns casos, a universalidade proposta pela visão central do filme ultrapassa as barreiras do tempo. Em outros, todo o peso da obra fica mais restrito ao calor da comoção momentânea.