Crítica | Deslembro

Nota
3

As marcas trágicas deixadas pela Ditadura Militar no Brasil nunca serão apagadas, muito menos ressarcidas. É esse o mote central de filmes como o excelente Zuzu Angel, de Sergio Rezende, e, numa escala mais intimista, do drama Deslembro, da diretora Flávia Castro.

A trama se passa nos anos 1980, após a Lei da Anistia, quando Joana, uma jovem brasileira que mora em Paris com sua mãe e seus dois irmãos, volta ao Rio de Janeiro, cidade em que nasceu e de onde guarda lembranças vagas. Os constantes encontros com sua avó paterna despertam uma série de curiosidades acerca de seu pai, desaparecido político e dado como morto há muitos anos.

Apesar de uma busca constante pelo naturalismo, a direção custa o primeiro ato inteiro para encontrar seu tom, já que os artifícios técnicos são repetitivos, óbvios e contraproducentes do ponto de vista cenográfico (às vezes a câmera treme tanto que a falta de foco parece mais erro do que linguagem). Quando a narrativa se mostra um pouco mais linear e gradativa – especialmente com a chegada da personagem da avó (Eliane Giardini, muito bem) -, a câmera fica um tanto mais estável e as soluções imageticamente oníricas se encaixam melhor na proposta do filme. É bem verdade que essas sequências visualmente mais abstratas funcionam muito mais a um nível sensorial do que simbólico. Deslembro é muito mais um trabalho de sensações pessoais do que propriamente um retrato histórico ou manifesto político.

As intenções temáticas da história ficam muito evidentes na maneira como o filme segue a protagonista, interpretada pela atriz promissora Jeanne Boudier. O espectador acompanha suas lembranças ao mesmo tempo em que ela desenha seu futuro e vive seu presente, e é curioso notar esse paralelo entre o amadurecimento pessoal de Joana e a formação de sua consciência histórica. As discussões com a mãe, vivida por Sara Antunes, soam esquemáticas e emocionalmente fora de tom, mas o contraste com a avó é bastante funcional, sobretudo por uma perspectiva cômica.

É evidente que o peso emocional de uma obra assim é consideravelmente maior para quem tem uma relação pessoal com a ditadura. Felizmente, a universalidade do cinema permite não apenas um forte entendimento de causa, mas também um grau de envolvimento e empatia que dificilmente seria sentido de outra maneira.

 

De Recife (PE), Jornalista, leonino típico, cinéfilo doutrinador.

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