Crítica | Druk: Mais uma Rodada (Another Round)

Nota
4.5

“Não falamos em 0,05%? Estou experimentando.”

Martin é só mais um professor de história comum do ensino médio, mas a vida dele não parece ser tão perfeita quanto ele imaginava que série durante a faculdade, um período de sua vida que era regado a álcool e festas e que parecia tão perfeito. Agora, enfrentando uma dura crise da meia-idade, Martin acaba se juntando a Tommy, Peter e Nikolaj, três amigos professores que estão passando pelos mesmos dilemas, para passar por um experimento social marcante: quais os efeitos positivos do consumo de álcool para a vida de cada um deles?

É certo que o filme roteirizado e dirigido por Thomas Vinterberg parece uma típica comédia adolescente de sessão da tarde, mas ela vai muito além disso. O longa começa nos apresentando a teoria do psiquiatra norueguês Finn Skårderud, que afirma que todo ser humano nasce com um déficit de 0,05% de álcool no sangue, e usa justamente essa teoria para justificar que os professores estão buscando manter um nível constante de álcool em suas correntes sanguíneas para atingir o ponto da felicidade sugerido por Skårderud, mas é justamente nessa busca da felicidade que o roteiro de Vinterberg e Tobias Lindholm se torna mais denso, nos forçando a questionar o verdadeiro significado da felicidade e toda a complexidade que existe ao redor da busca por esse sentimento.

O longa dinamarquês, que já é favorito entre os indicados ao Oscar de Melhor Filme Internacional, garantiu ainda a indicação de Vinterberg a Melhor Diretor, um feito raro de se ver, o que pode ser fruto da entrega profunda do diretor pelo longa, visto que este acabou sendo concebido durante uma fase obscura da vida do cineasta: o luto pela morte de Ida, a filha de 19 anos do diretor, em um acidente de carro. A morte da garota aconteceu pouco depois de ele terminar o roteiro, e acabou sendo determinante nos rumos que o longa tomou durante as gravações, transformando a produção que nasce como uma celebração ao álcool ao mesmo tempo que mostra o lado mais sombrio dele, transformando o longa em uma eterna batalha entre luz e sombra que não tenta hora nenhuma se moralizar, ou dizer a alguém como beber ou como viver, o longa mostra que o bem e o mal podem andar lado a lado, e que cabe a você enxergar os limites, entende-los e brincar com eles sempre pensando nas consequências de seus atos.

O Martin de Mads Mikkelsen nos apresenta a maior luz na teoria, ele era um professor desestimulado e suas aulas se transformam completamente depois que ele começa o estudo, tomando sempre aquela pequena dose de tempos em tempos, é a partir dele que começa a ideia do estudo, e é a partir dele que vemos o mais claramente o benéfico resultado na evolução do experimento. O Tommy de Thomas Bo Larsen é um professor de educação física frustrado, ele treina o time de futebol infantil da escola e já está ficando saturado de toda a incapacidade esportiva e social de seus jogadores, mas o experimento começa a lhe dar mais energia e paciência, ele começa a enxergar melhor o potencial de sua equipe e a leva-los a encontrar o melhor de si, assim como começa a enxergar ‘oclinhos’, o aluno mais escanteado do time, e que começa a ver sua importância quando começa a ter o apoio moral do professor.

O Peter de Lars Ranthe é um professor de música menosprezado, ele quer levar seus alunos a conhecer a magia e a beleza da música clássica, mas não consegue a atenção de seus alunos, o experimento muda completamente a sua visão, o levando a perceber os verdadeiros interesses de seus púpilos e ensinar de uma forma mais eficiente, trazendo musicas que chamam sua atenção e não deixam a desejar nos assuntos das aulas. Já o Nikolaj de Magnus Millang é um professor de psicologia antiquado, ele consegue ver toda a graça nos desdobramentos dos estudos da psiquê humana mas não consegue transmitir essa graça em suas aulas, é ele quem lidera o estudo, sendo o responsável por analisar o efeito do álcool em cada uma das quatro cobaias e tornar tudo muito mais acadêmico, e é com esse experimento que ele começa a tornar sua aula mais divertida, dando a seus alunos a verdadeira visão das maravilhas do estudo da mente.

O longa, que já rodou pelo circuito de festivais e arrebanhou alguns troféus, teve sua estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Toronto em 12 de setembro de 2020, já garantiu a presença na Seleção 2020 do Festival de Cannes e até chegou a ser indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Internacional, o que garante uma boa quantidade de holofotes para sua trilha no Oscar, o que dá a Druk a chance de carregar responsavelmente todas as suas reflexões. Todos já passamos pela sensação de termos nos perdido na vida, de não ter mais inspiração para seguir em frente ou se estar solitários na vida real, mas é a partir de Druk que começamos a enxergar a verdadeira decoupage dessas situações, brincando com todos esses elementos universais que o constroem como uma tragicomédia marcante e nos presenteando com uma bela pitada de Mads Mikkelsen em sua forma mais pura, que faz o longa nos inebriar com crises de meia-idade tão facilmente quanto qualquer garrafa de álcool pode nos deixar mais leves para enfrentar os desafios do dia a dia.

Druk: Mais uma Rodada é um combo cinematográfico, ele é bem dirigido, apresenta uma boa atuação, é regido por um roteiro cativante e nos presenteia com uma química perfeita de seus protagonistas. Regado de momentos de melancolia sem exageros, o longa consegue trazer a dose certa de drama e comédia ao nos imergir nos dilemas dos quatro amigos e nos dar pausas para respirar com cada um dos seus momentos de descontração, que também se apresentam sem exageros. Vale ainda lembrar que Vinterberg é um dos criadores do Dogma 95, um movimento cinematográfico internacional que pede um cinema mais realista e menos comercial, o que faz o longa ser muito mais cru, a base apenas de luz natural, câmera na mão, música ambiente e nenhum enfeite cenográfico que não seja comum aos locais das gravações, talvez por isso Druk toque tão fundo na nossa mente, pela sua intimidade com a cena, e pela dedicação que cada um dos atores tiveram em fazer o projeto de Vinterberg ser uma verdadeira obra de arte.

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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