Crítica | Duas Rainhas (Mary Queen of Scots)

Nota
2

Não é justo avaliar filmes históricos apenas do ponto de vista factual e julgá-los a este modo, o que seria até uma forma de contradição levando em conta a essência do cinema como arte, ou seja, como representação da realidade. Não é, portanto, a partir desta perspectiva que Duas Rainhas fracassa como filme político-histórico, mas pela sua falta de coesão até mesmo se o considerássemos uma obra de pura ficção.

A história se passa no século XVI e vai desde quando a rainha da Escócia, Mary (Saoirse Ronan), começou a juntar súditos para tomar o trono da Inglaterra até a o momento de sua sentença de morte dada pela prima, a rainha Elizabeth I (Margot Robbie). O roteiro escrito por Beau Willimon é baseado na biografia do historiador John GuyQueen of Scots: The True Life of Mary Stuart, e, é claro, segue alguns caminhos com as próprias pernas – ou pelo menos tenta fazê-lo.

Duas Rainhas é um filme de méritos notáveis no que diz respeito à produção, em particular a direção de arte, maquiagem e figurinos (os dois últimos lhe renderam indicações ao Oscar, aliás). Cenários imponentes e paisagens belíssimas filmadas em planos bastante abertos ostentam um clima que, mesmo pouco narrativo, é fundamental para tornar crível o momento histórico e não cair na cara de festa fantasia. A trilha sonora é protocolar, mas tem ao menos um momento de impacto mais marcado, cujo efeito é surpreendentemente angustiante.

Quem dirige o filme é a estreante Josie Rouke, em quem definitivamente não seria justo colocar o peso dos graves problemas presentes aqui. Sim, sua direção é irregular e constantemente abalada por decisões incompreensíveis, desde o uso repentino de câmera na mão até planos gerais que nada tem a dizer – sem mencionar a dificuldade em situar o espectador na geografia de uma das cenas de batalha mais anti-climáticas dos últimos anos. Mas, apesar dessa tentativa inconstante de ser uma espécie de Game of Queens em termos visuais, na maior parte do tempo o trabalho de Rouke é correto e bastante funcional, especialmente quando ela põe a mão na massa, isto é, nas duas excelentes atrizes principais.

Saoirse Ronan, com seu olhar doce e feições delicadas, consegue convencer isoladamente nos momentos de imponência e de vitimização, embora a dicotomia entre arrogância e ingenuidade da persona da Mary nunca seja desenvolvida à altura da interpretação. Margot Robbie, por outro lado, é curiosamente esquecida ao longo da projeção , ainda que sua personagem seja de grande importância para o desenrolar dos acontecimentos; sua presença, ao menos, ganha mais significado no momento em que as duas personagens se encontram na que é, de longe, a melhor sequência do filme.

É uma pena que essas atrizes carismáticas e essa produção pomposa estejam a serviço de um roteiro sem pé nem cabeça, ou melhor, “apenas” com pé e cabeça, pois todo o corpo é desconjuntado e frequentemente confuso; a montagem (péssima) picota cenas de sexo em planos tão parecidos que dá até impressão de que a projeção foi acelerada de repente, além de perder constantemente de vista quanto tempo se passou de um momento para outro. Algumas cenas chegam a recomeçar e/ou se repetir, como se fosse o compilado de uma minissérie – fruto, provavelmente, da experiência de Beau Willimon como roteirista de TV, com House of Cards. A dificuldade de compreender a relação de causa e consequência nas tramoias políticas de Duas Rainhas não tem nada a ver com o fator histórico porque, ainda que ele fosse uma grande brincadeira, não haveria figurino bonito que consertasse sua bagunçada estrutura narrativa.

De Recife (PE), Jornalista, leonino típico, cinéfilo doutrinador.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *