Crítica | Entrevista com o Demônio (Late Night with the Devil)

Nota
3.5

Entrevista com o Demônio, dirigido pelos talentosos irmãos australianos Cameron e Colin Cairnes, é uma obra que mergulha nas profundezas do terror psicológico ao mesmo tempo em que oferece uma reflexão aguda sobre os perigos da busca pela fama e a manipulação midiática. Ambientado na década de 1970, uma época de transição cultural e uma crescente obsessão pelo sobrenatural na mídia, o filme transporta o espectador para os bastidores sombrios de um programa de talk show em declínio.

No centro da trama está Jack Delroy, interpretado pelo carismático David Dastmalchian (O Esquadrão Suicída), um apresentador carismático e carregado de uma história pessoal marcada por tragédias. Sua jornada ao longo da noite de Halloween, enquanto tenta desesperadamente recuperar sua audiência com um especial de televisão envolvendo fenômenos sobrenaturais, é uma montanha-russa emocional que Dastmalchian navega com maestria. O ator não só captura a ambiguidade de um homem cujo charme superficial esconde profundas cicatrizes emocionais, mas também equilibra habilmente entre o humor ácido e a vulnerabilidade palpável.

Ao lado de Dastmalchian, Ingrid Torelli entrega uma performance igualmente impressionante como Lilly, uma jovem possuída cuja presença ameaça desvendar o frágil equilíbrio emocional de Delroy. Torelli domina a tela com uma presença magnética, alternando entre momentos de inocência e horrores inimagináveis com uma facilidade que impressiona. Sua interação com Dastmalchian é carregada de tensão e simbolismo, amplificando o terror psicológico do filme.

A direção dos Cairnes é um dos pontos altos do longa, criando uma atmosfera opressiva e claustrofóbica dentro do estúdio de televisão. A escolha de usar o formato de found footage contribui significativamente para essa sensação, imergindo o espectador na experiência visceral do programa de talk show em tempo real. Os momentos de suspense são habilmente construídos, aproveitando o cenário limitado para criar uma tensão crescente à medida que os eventos sobrenaturais se desdobram.

Visualmente, Entrevista com o Demônio é um deleite nostálgico para os fãs dos anos 70, com uma paleta de cores saturadas que evoca o charme decadente da era analógica da televisão. Os detalhes meticulosos, desde os figurinos até a cenografia, transportam o público para uma época onde o horror se manifestava não apenas nos sustos repentinos, mas também na ambientação e na atmosfera saturada de paranoia.

Além de sua eficácia como um filme de terror psicológico, Entrevista com o Demônio também oferece uma crítica sutil à indústria do entretenimento e à mídia sensacionalista. A busca desesperada de Delroy por audiência, às custas da exploração de eventos sobrenaturais e do sofrimento humano, ecoa as práticas questionáveis ainda presentes na televisão contemporânea. Os Cairnes utilizam o cenário do programa de talk show não apenas como pano de fundo, mas como um microcosmo para explorar temas mais amplos sobre a ética na produção de conteúdo e o preço da fama.

Em termos de estilo cinematográfico, a dupla de diretores demonstra um domínio magistral sobre a narrativa visual, utilizando recursos como a edição dinâmica e a cinematografia expressiva para intensificar o impacto emocional das cenas. A escolha de manter o público constantemente no limite, sem nunca revelar completamente os mistérios do sobrenatural, mantém a tensão narrativa ao longo do filme, culminando em um clímax que é tanto satisfatório quanto perturbador.

Por fim, Entrevista com o Demônio é não apenas um filme de terror eficaz, mas uma obra que transcende o gênero ao explorar questões universais sobre a natureza humana, o desejo por reconhecimento e os limites éticos da mídia. Com performances memoráveis, uma direção cuidadosa e uma atmosfera envolvente, este é um filme que não só assusta, mas também provoca reflexões duradouras sobre o poder das histórias e o preço pago pela busca desenfreada pela audiência.

 

Pernambucano, jogador de RPG, pesquisador nas áreas de gênero, diversidade e bioética, comentarista no X, fã incontestável de Junji Ito e Naoki Urasawa. Ah, também sou advogado e me arrisco como crítico nas horas vagas.

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