Crítica | Flow (Straume)

Nota
4

Um gatinho preto estava tentando sobreviver no lugar onde ele morava. O pequeno gatinho era bastante perseguido por um grupo de cachorros que roubavam sua comida, mas apesar de cansado do bullying que sofria, ele tentava ao máximo se manter calmo e seguro. Até que um dia, uma grande enchente o levou para longe do seu local seguro, fazendo com que ele entrasse em uma jornada longa em busca de um novo local seguro. Nessa nova jornada, amigos inesperados irão aparecer no seu caminho, como um dos cachorros do grupo que o atormentava, uma capivara astuta, um lêmure agitado e uma ave imponente sempre pronta para o defender. Essa é a premissa básica de Flow, filme da Letônia que ganhou o Globo de Ouro de Melhor animação e que é o grande favorito para a mesma categoria no Oscar de 2025, podendo bater poderosos da indústria como Robô Selvagem, da DreamWorks e Divertida Mente 2, da Disney/Pixar, com um enredo que questiona as mudanças climáticas desenfreadas por uma perspectiva dos animais que têm seus habitats destruídos.

O diretor de Flow, Gints Zilbalodis, tem um longo histórico de produções de filmes em animação independentes, sendo Flow sua oitava produção de um acervo que inclui curtas e longas, e sendo essa a primeira grande produção do diretor a incluir outras pessoas no projeto além dele próprio. O filme é uma co-produção entre Letônia, França e Bélgica, incluindo na produção o financiamento de produtoras e governos dentre esses países, e se propõe a trazer uma ideia inusitada em narrativa, com todos os seus personagens sendo animais, embora com um estilo cartunizado, mas com propostas realistas, onde todos irão agir como animais e o mais importante: não falar. Esse é o ponto de mais coragem do diretor de produzir um longa inteiro sem falas, onde apenas as reações, expressões, miados e latidos dos personagens que contam para transmitir a sua história que permeia por diversos temas, que são aflorados a partir do principal que são as mudanças climáticas feitas pelo ser humano. No mundo de Flow, os humanos provavelmente foram extintos, restando apenas as ruínas de várias civilizações, onde os animais transitam livremente entre elas, conseguindo viver novamente suas vidas sem as ações e poluições humanas. Mas as consequências da ação humana ainda é sentida por todos, visto que as mudanças climáticas severas ainda são muito presentes, levando a desastres naturais como acontece no filme.

Um filme que fala sobre meio-ambiente não é novidade, ainda mais nesse mesmo ano de premiações com um dos grandes concorrentes de Flow, na disputa pelo Oscar, sendo Robô Selvagem, que vem perdendo força em sua campanha pelo Oscar, desde a vitória do longa independente no Globo de Ouro. Pelas duas animações permearem pelo mesmo tema, mesmo que de formas muito diferentes, é impossível não comparar as duas obras. Robô Selvagem fala sobre mudanças climáticas de uma forma muito sutil, onde as consequências da poluição humana servem como um plano de fundo para a história acontecer, ao invés de criticar o aquecimento global como acontece em Wall-E (2008), por exemplo. Enquanto isso, Flow se parece mais certeiro na sua crítica em usar os animais para ilustrar as consequências do aquecimento global e todas as catástrofes climáticas que afetam sobretudo esses animais, mas ainda assim, o longa também preza pelas sutilezas da sua crítica, levando tudo por um ar mais poético, mesmo que o plano de fundo apocalíptico com cidades submersas e abandonadas seja mais impactante do que foi em Robô Selvagem.

Trazendo uma narrativa inovadora, Flow é um filme ousado, mas que pode desagradar o grande público pela falta de falas dos personagens. Seguindo pela narrativa contemplativa, o filme ganhador do Globo de Ouro se destaca pela sua estética exemplar, seguindo na tendência independente do diretor da Letônia, dessa vez com um filme inteiro produzido dentro do software gratuito de modelagem 3D, o Blender. Embora agrade a crítica por sua narrativa inovadora de trazer um filme infantil contemplativo e com um ritmo muito mais lento que produções grandes, isso pode não agradar o público infantil de fora do núcleo europeu, como aqui no Brasil, onde as crianças já estão acostumadas com filmes dinâmicos da Disney/Pixar, ou dos maneirismos caricatos da Illumination. Ainda assim, Flow mostra bem porque está nos holofotes das grandes premiações, podendo garantir sua vaga como indicado ao Oscar, por ser mais incisivo com sua crítica às mudanças climáticas que podem causar o fim da humanidade, indo de contraponto a um forte concorrente ao Oscar, que trata de assuntos parecidos. O estilo poético, mas cartunizado, de Flow vai ser de fato um divisor de águas, fazendo pessoas gostarem muito ou não se conectarem com o estilo diferente da narrativa.

 

Ilustradora, Designer de Moda, Criadora de conteúdo e Drag Queen.

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