Crítica | Jojo Rabbit

Nota
3.5

Poucas coisas em 2019 são capazes de tocar o coração da maneira que Jojo Rabbit consegue na marca do final do segundo ato. É um daqueles momentos capazes de amolecer os corações mais cínicos sem forçar demais a barra, e ainda abrir uma porteira emocional, que nem sempre é aberta em filmes de pretensão cômica. Mais interessante ainda são esses sentimentos genuínos cruzados constantemente com a sátira, e é esse o tom geral desse projeto.

O longa é a adaptação cinematográfica do livro infantil Caging Skies, da autora americana Christine Leunens, e se passa próximo ao fim da Segunda Guerra, acompanhando um menino de 10 anos (Roman Griffin Davis) absolutamente fanático pelo seu regime nazista – ao ponto de ter Hitler como amigo imaginário. A certa altura, o pequeno descobre que sua mãe (Scarlett Johansson) está escondendo uma jovem judia (Thomasin McKenzie) atrás das paredes de sua casa.

Jojo Rabbit conta com a direção e o roteiro do já famigerado Taika Waititi, antes conhecido pela comédia O que Fazemos nas Sombras (2014) mas recentemente renomado com o muito irregular Thor: Ragnarok (2017). E o mais curioso é observar como o cineasta neozelandês se sai muito melhor nesse seu novo trabalho justamente naquilo que este possui de mais simples. Em primeiro lugar, faz um uso funcional e agradável do design de produção; é um daqueles filmes de custo moderado que lidam bem com a economia dos espaços e com o tipo de emoção a ser transmitida em cada um deles (a inspiração bastante clara é Moonrise Kingdom, de 2012, dirigido pelo gênio Wes Anderson). É também um texto cheio de boas ideias, boas gags verbais, e inteligência no tratamento da visão infantil acerca do mundo. A câmera segue esse movimento e acompanha os protagonistas sempre em sua altura, criando um efeito devastador quando vemos apenas uma parte do corpo de uma personagem.

Nada é muito original ou inovador na forma como os dois jovens protagonistas se relacionam, mas é impressionante a sensibilidade da articulação do diretor para tornar essa aproximação verossímil. Griffin Davis e McKenzie tem uma química irrepreensível e se alimentam mutuamente de afeto e doçura. Scarlett Johansson, forçando o sotaque até onde consegue, extrai toda a leveza possível em seus poucos momentos em cena, além de protagonizar um dos momentos mais inspirados do filme: aquele em que se disfarça do pai ausente usando cinzas no rosto.

É triste constatar que Jojo Rabbit se saia tão assim-assim justamente no ponto o qual ele pensa ser seu maior trunfo: a sátira. O componente emocional é sólido e a amizade, retratada de forma honesta, mas todo o humor supostamente irreverente do “Hitler imaginário” soa reiterativo e bastante lugar comum. Não é necessariamente errado tratar com comicidade certos assuntos sérios, e é particularmente bacana como Taika Waititi conduz essa experiência infantil com tanta fluidez em um cenário que deveria ser monstruoso. Mas ele certamente não consegue unir sátira e peso dramático na sequência final: os horrores da guerra estão ali diante do público, mas a preocupação em manter o tom brincalhão impede o público de sentir qualquer impacto.

Jojo Rabbit tem sentimento, sutileza, fofura e uma série de ideias engenhosas – tanto que sua insistência na irreverência satírica não encontra espaço tão organicamente no todo. Se a ideia era funcionar como uma sátira ousada, está aí a prova de que nem sempre as intenções dos autores encontram respaldo no resultado final.

 

De Recife (PE), Jornalista, leonino típico, cinéfilo doutrinador.

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