Crítica | Kick-Ass 2

Nota
3

O universo dos heróis mascarados, tantas vezes pintado com as cores da glória e do altruísmo, raramente arrisca uma abordagem tão crua e debochada quanto em Kick-Ass 2. Nesta sequência do aclamado filme de 2010, o diretor Jeff Wadlow (A Maldição de Bridge Hollow) aprofunda-se em um mundo onde os ideais heroicos são substituídos por batalhas sangrentas, personagens excêntricos e uma paródia feroz da figura do super-herói clássico. É um filme que abraça o exagero e a violência gráfica, mas que, infelizmente, nem sempre mantém o mesmo nível de ousadia ou frescor do original.

A história se passa após os eventos do primeiro filme, onde Dave Lizewski (Aaron Taylor-Johnson), um adolescente comum que se tornou o herói chamado Kick-Ass, tenta levar uma vida normal enquanto luta com o desejo de voltar a patrulhar as ruas. Inspirados pelo seu exemplo, outros civis começam a adotar identidades mascaradas, e uma equipe de justiceiros se forma sob o comando de Coronel Estrelas (Jim Carrey). No entanto, o antagonista da vez, Chris D’Amico (Christopher Mintz-Plasse), agora chamado de Motherf***er, está determinado a se vingar de Kick-Ass e parte em uma cruzada de caos e violência, reunindo seu próprio time de vilões.

Embora o primeiro filme tenha encontrado um equilíbrio entre sátira e brutalidade, sua sequência parece inclinar-se para o lado mais chocante e menos refinado da fórmula. A violência estilizada, que no original servia como comentário irônico sobre o gênero dos heróis, aqui frequentemente parece gratuita e, por vezes, esvazia o impacto das cenas de ação. Em meio ao exagero das cenas, o humor ácido e sombrio funciona de maneira intermitente, oscilando entre momentos de pura ironia e outros em que o tom beira a caricatura simplista.

Aaron Taylor-Johnson reprisa o papel de Kick-Ass com a mesma intensidade de antes, mas desta vez o personagem, mais maduro e consciente das consequências de suas escolhas, carece da ingenuidade cativante que o tornou interessante inicialmente. Ele busca encontrar seu propósito em um mundo onde ser herói não é uma escolha fácil ou sem sacrifícios. A questão da identidade heroica, um tema central no primeiro filme, acaba sendo diluída aqui em meio às batalhas incessantes e às tentativas de humor ácido que nem sempre acertam o tom.

Chloë Grace Moretz (A Familia Addams), por sua vez, retorna como Hit-Girl, talvez a personagem mais carismática e intensa da franquia. No entanto, enquanto o primeiro filme explorou com inteligência o conflito entre sua vida como uma adolescente comum e seu treinamento brutal, aqui ela se vê presa em uma narrativa paralela que reduz sua complexidade. Em grande parte do filme, Hit-Girl enfrenta desafios típicos de uma comédia adolescente, ao lidar com os clichês da vida escolar e o bullying, o que minimiza seu papel de justiceira implacável. Embora essa tentativa de aproximá-la de uma realidade mais comum seja interessante em teoria, ela não agrega o mesmo peso que sua jornada anterior.

O Coronel Estrelas e Listras, interpretado por Jim Carrey (O Grinch), é uma adição memorável, ainda que sua participação seja breve. Carrey imprime ao personagem uma intensidade inesperada, um ex-membro das forças especiais com forte convicção moral, que desafia a superficialidade dos heróis de fachada. Sua presença oferece alguns dos momentos mais inspirados do filme, com um tom que oscila entre a comédia absurda e o drama, mas sua saída abrupta da trama acaba por desestabilizar a narrativa, deixando um vazio difícil de ser preenchido.

Já o antagonista, Motherf***er, encarnado por Christopher Mintz-Plasse (Como Treinar Seu Dragão), é um reflexo distorcido do arquétipo do vilão. Seu comportamento é mais exagerado do que ameaçador, e embora suas motivações de vingança tenham fundamento, a construção do personagem torna difícil levá-lo a sério. Em uma tentativa de elevar o impacto de suas ações, o filme recorre a uma violência desnecessária e sem propósito, que pouco contribui para a narrativa e que, por vezes, parece gratuita e de mau gosto. Isso afasta a figura do vilão de um perfil temível, o tornando mais um elemento de comédia sombria do que uma ameaça real.

As cenas de ação, que poderiam ser o ponto forte do filme, carecem da criatividade visual e da precisão que marcaram o original. A coreografia é direta e funcional, mas não possui o dinamismo ou o impacto emocional que poderiam elevar a experiência. Além disso, a estética estilizada do filme anterior dá lugar a um visual mais bruto e direto, que nem sempre favorece o tom híbrido de comédia e ação. Esse aspecto acaba por enfraquecer a proposta de Wadlow, que parece hesitar em abraçar plenamente o espírito irreverente que marcou o primeiro filme.

O terceiro ato do filme promete uma conclusão explosiva, mas o desfecho é apressado e deixa várias pontas soltas. A luta final, embora repleta de personagens e movimentos intensos, não oferece a catarse emocional que o enredo sugere. Em vez disso, há uma sensação de que a narrativa optou por uma resolução fácil, sem explorar as consequências das escolhas dos personagens, especialmente no que se refere à moralidade dúbia de Kick-Ass e Hit-Girl. Kick-Ass 2 é uma sequência que busca recapturar o choque e o humor subversivo do original, mas que falha ao não adicionar profundidade à história e ao desenvolvimento dos personagens. A tentativa de mesclar brutalidade com comédia funciona de forma parcial, e a trama se arrasta em meio a uma série de momentos que, embora concebidos para provocar, carecem da mesma inovação e inteligência.

 

Pernambucano, jogador de RPG, pesquisador nas áreas de gênero, diversidade e bioética, comentarista no X, fã incontestável de Junji Ito e Naoki Urasawa. Ah, também sou advogado e me arrisco como crítico nas horas vagas.

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