Crítica | La La Land – Cantando Estações (La La Land)

Nota
4.5

Musicais sempre fizeram parte do imaginário cinematográfico, independentemente da relevância e da posição no contexto inserido. Clássicos como “Cantando na Chuva” (1952) e “A Noviça Rebelde” (1965) surgem como maiores exemplos do gênero, cravando suas marcas eternas no universo do cinema, cativando ou afastando o público – dependendo da narrativa. Se Fred Astaire e Debbie Reynolds encantam na performance de um casal na chuva e Julie Andrews e Christopher Plummer são valorizados pela harmonia no segundo filme, Emma Stone e Ryan Gosling repetem a mesma química em “La La Land” (2016), vencedor de 6 Oscars.

Desde o princípio, Damien Chazelle não hesita em empregar a musicalidade na sua trama. Acima de tudo, o cineasta crava que a música é o centro de tudo no contexto que deseja propor, como se tudo dependesse dela e surgisse em torno de sua potência. Nesse sentido, somos apresentados à Mia, uma aspirante à atriz, e Sebastian, um pianista apaixonado pelo jazz, duas figuras “perdidas” nos sonhos e desejos. Nesse cenário, o roteiro constrói cuidadosamente a aproximação entre os dois, justamente pela aparente antipatia mútua gerada nos encontros inusitados do casal. Enquanto Mia enxerga uma arrogância em Sebastian, ele a trata como uma “garota mimada”, gerando algumas discussões entre ambos. Aqui, as personalidades e os comportamentos opostos dos dois personagens se esvaem quando o amor de ambos pela arte se sobressai. E é justamente esse o ponto que a trama emprega.

Nesse contexto, a análise separada do casal se faz necessária. O que se vê, em 128 minutos, é uma espiral que destrincha as personalidades de Mia e Sebastian. É interessante pontuar, perante isso, que a jovem sabe o momento de agir e usa isso a seu favor, mesmo que sob os olhos de uns seja a “mimada” da história. Afinal, Mia não procura sair de sua zona de conforto, ainda que seu dom artístico exija isso. Desde o princípio, observamos a construção desse amor, cujos detalhes impressionam. Ali, vemos uma espécie de peregrinação à Meca da Arte – Hollywood – e o deslumbre que a protagonista sente nessa jornada. Chazelle, aqui, não está preocupado em tornar tudo teatral ao extremo, mas sim em desenvolver até mesmo um existencialismo em volta dos personagens. Ao mesmo tempo que a jovem sabe que a aparência às vezes conta mais do que o talento nesse ramo, ela não enxerga como um peso e confia no seu sonho, mesmo quando nada sai como esperado.

Do outro lado da moeda, temos Sebastian. Enquanto Mia o enxerga como um arrogante insuportável, observamos que sua persona não passa de um escudo que mascara os seus reais sentimentos e sua sensibilidade. O pianista, tal qual Mia, é marcado por alguns traumas do passado e isso fez com que seus desejos fossem adiados em prol de uma estabilidade financeira, com medo de, principalmente, fracassos e frustrações. Note que, dentro desse quesito, os dois são sonhadores, mas somente Sebastian tenta aniquilar as suas próprias vontades, até um certo ponto em que decide viver o seu sonho. Chazelle, desse modo, cria um estudo profundo no personagem e o reaproxima cada vez mais do jazz e dos encantos do piano, numa aproximação que nunca deveria ter acabado. Aos poucos, a carranca que estampa o rosto do músico cede espaço a uma luminosidade, essencialmente quando há o brilho da jovem atriz. É a junção do útil ao agradável.

De uma certa maneira, o roteiro faz o público pensar que Mia e Sebastian se completam, justamente pelas lacunas e feridas abertas de suas almas. Há todo um encanto nos números musicais que os dois criam, especialmente pelas referências aos clássicos. Muito além dessa premissa, Chazelle sabe que a construção dos dois como um casal preza pela naturalidade, desconstruindo aos poucos a barreira de antipatia que existe entre ambos. Afinal, que graça teria se Mia e Sebatian já estivessem juntos desde o princípio ou se houvesse um amor platônico à primeira vista? Se o roteiro quer que a realidade seja o foco, a aproximação dos protagonistas não deve ser feita como um “mar de rosas”. Ainda que se apaixonem realmente no primeiro encontro, o ranço que um tem pelo outro fala mais alto para que depois se entreguem aos encantos desse amor.

Dito isso, Emma Stone e Ryan Gosling vivem grandiosos momentos em suas carreiras. Vencedora do Oscar pelo papel, Stone constrói uma cativante Mia e fascina com sua doçura em cena, como se estivesse flutuando nas cenas. Ela flui tão bem que fica impossível desviar os olhos de sua sensível composição. Indicado à estatueta, Gosling transforma Sebastian num de seus maiores papeis da carreira, conduzindo perfeitamente as camadas do pianista e desconstruindo a amargura que impera na sua alma. Mais do que isso, os dois atores tornam mais realistas seus perfis, primordialmente na demonstração de sentimentos. Tanto juntos, quanto separados, os intérpretes brilham intensamente e cativam com o desenvolvimento que geram, sem dúvidas.

Numa obra em que a música reina soberanamente, as apresentações não soam deslocadas e há todo um contexto por trás – mesmo entre altos e baixos da condução nesse aspecto. A cena em que Mia e Sebastian dançam na chuva, por exemplo. Existe, nesse momento, uma genuína felicidade de ambos e um dos trechos que mais sensibilizam o espectador, justamente pela gigantesca química do casal. Mais do que isso, os trechos musicais são cobertos de alegorias e cores que condizem com a sensação daquele cenário – seja tristeza, seja alegria – e firmam a cativante jornada dos dois aos sonhos. As canções e a estética vibrante enriquecem a trama, simbolizando cada fase que Chazelle almeja descrever – bem como a escolha chamativa dos figurinos, embora discretos quando querem, e as tais estações da tradução do título.

No fim de tudo, “La La Land” se consagra como um dos maiores filmes do gênero e mostra que a grande direção de Damien Chazelle, já comprovada em “Whiplash”, faz toda diferença, especialmente em situações que facilmente podem cair no equívoco. A obra produz tocantes apresentações, que valem a pena ser conferidas, principalmente por quem ama referências clássicas e, obviamente, o teor musical das cenas. Grandioso filme, com a absoluta certeza.

 

Apenas um rapaz latino-americano apaixonado por tudo que o mundo da arte - especialmente o cinema - propõe ao seu público.

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