Crítica | Luta por Justiça (Just Mercy)

Nota
2.5

Mais difícil do que não se comover com a história desse Luta por Justiça é isolar os absurdos do seu tema ao contexto de época, sem relacionar às relativizações insanas feitas cada vez mais no Brasil e no mundo. Mesmo porque trata-se de uma história real bastante recente, ocorrida entre 1989 e 1993, no sul dos Estados Unidos. Inspirando-se num memoir de 2014, escrito por Bryan Stevenson, o filme é sobre um advogado (o próprio Stevenson) responsável por reabrir o caso de um assassinato cujo suspeito foi condenado injustamente e está no corredor da morte aguardando a data de sua execução.

A condenação em si já era absurdamente baseada não em evidências físicas ou provas exatas, mas em um testemunho muito suspeito – e claramente coagido – de um outro criminoso. Lutar contra um sistema corrompido e racista, enfrentar uma massa de pessoas que querem um culpado a todo custo e recuperar suas próprias convicções são as missões principais. O advogado Stevenson, interpretado por Michael B. Jordan, é a figura central em que o roteiro se ancora; sua determinação e bondade para com o caso – e para com a causa – movem o esquema dramático. E a trama, por sua vez, vai e volta em obstáculos, passos à frente e passos para trás, na tentativa de dinamizar um enredo que facilmente poderia ficar ou burocrático ou ultra objetivo.

Aliás, faz bem que ele (o roteiro) se ancore nesse elenco, também composto por um Jamie Foxx compenetrado e convincente e por uma Brie Larson nem tanto uma coisa nem outra. O problema maior é que o filme do diretor Destin Daniel Cretton, apesar de bastante funcional na mensagem que pretende transmitir, se mostra incapaz de elaborar qualquer tipo de peculiaridade visual diante do tema, deixando todo o peso dramático para os atores carregarem.

Luta por Justiça tem também uma noção de espaço, se não pobre, bastante primária. Tanto as cenas na cadeia quanto as da casa da família, ou mesmo a casa do advogado, são filmadas com uma câmera na mão, que parece um bocado panorâmica e ilustrativa. Outras cenas tem uma estabilidade, jamais assumida como linguagem, ao longo da projeção. Há, no entanto, alguns momentos isolados mais inventivos: toda a sequência trágica do segundo ato, com um coadjuvante, é bastante precisa em seu componente sensorial, na maneira como põe o espectador dentro da angústia e pavor do personagem – finalizando com uma objetividade cruel.

De um ponto de vista puramente narrativo, Luta por Justiça acerta na autenticidade dos acontecimentos-chave na mesma medida em que perde a mão nos interstícios entre eles. Enquanto muitos momentos soam realistas e plausíveis, soluções repentinas (personagens mudando de ideia ou de índole) dão a impressão de simplificação grosseira – tirando uma parte considerável da credibilidade do filme. Mesmo porque o projeto tem, na sua base, a grande vantagem de acompanhar os personagens centrais quase em primeira pessoa, sem expandir núcleos ou apresentar novos – e desnecessários – pontos de vista. Não há ponto de vista relevante nesse caso, senão daquelas pessoas que estão passando por este sofrimento. Uma história assim, portanto, prescinde de mensagens de efeito para criar soluções de última hora ou alterar o caráter de figuras repugnantes.

Fica claro, ao final, que o principal motivo da existência de Luta por Justiça é o mesmo de tantos outros filmes semelhantes: expôr os absurdos da história e passar a mensagem edificante de maneira suficientemente humana dentro dessa chave de cinema seguro. Ainda esperamos chegar um ponto (se é que já não chegou) em que esse tipo de modelo tradicional vai soar contraproducente para as causas em questão – até lá, saudar as intenções é o importante a se fazer nesses casos.

 

De Recife (PE), Jornalista, leonino típico, cinéfilo doutrinador.

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