Crítica | Mais Pesado é o Céu

Nota
4

“O que nós fizemos com a gente?”

Antônio Lucena (Matheus Nachtergaele) voltou de São Paulo para sua cidade natal no interior do Ceará, mesmo sabendo que a velha Jaguaribara já não existe mais após a cheia do rio levar embora tudo que tinha na pequena cidade. Com a promessa de conseguir um bom emprego catando caranguejos nos mangues da Paraíba, ele decide procurar caronas com caminhoneiros até o seu destino. Mas antes mesmo de chegar lá, seu destino se cruza com o de Teresa (Ana Luiza Rios), que pouco antes de se encontrar com Antônio encontrou uma criança abandonada em um barco na beira do rio. Compadecido com, ao ver de Antônio, uma mãe solo e seu bebê perdidos no meio do nada, ele decide ajudá-los, mesmo não tendo nem dinheiro nem comida para isso e, apesar de desconfiada, Teresa decide aceitar a ajuda de Antônio. Agora sem dinheiro, nem trabalho e muito menos onde ficar, Teresa e Antônio precisam achar alguma forma de tomar conta dessa criança e também de tomar um rumo para suas vidas.

Mais Pesado é o Céu traz como sua estrela principal Matheus Nachtergaele, conhecido por seu papel em O Auto da Compadecida (2000), agora como um retirante que retorna a sua terra natal. Nachtergaele tem uma ótima atuação durante todo o filme, apesar de se manter estável até o clímax do filme, seu personagem expressa bem a essência do Antônio Lucena: um homem simples, sonhador e que, mesmo numa vida cheia de dificuldade, se mantém otimista. Ao contrário dele, sua companheira de cena, Ana Luiza Rios, tem uma complexidade notável na sua atuação. Ao começar pelo tom coloquial na entrega do texto, que traz bastante o contexto socioeconômico da personagem a tona e enriquece muito sua atuação, além disso acompanhamos sua trajetória de não confiar em ninguém do começo ao fim e aos poucos a vemos não só se abrir como também a não aguentar mais a vida que está levando, o que torna sua construção de personagem muito bem feita. Além disso, vemos o trabalho notável das atrizes coadjuvantes Silvia Buarque e Danny Barbosa, com os papéis Fátima e Letícia.

Petrus Cariry já é bem conhecido por sua fotografia densa e deslumbrante, e em Mais Pesado é o Céu não seria nada diferente. Apesar de vir com um enredo super pesado, as cenas são muito bem projetadas para trazer a beleza do interior do Ceará onde foi filmado o longa, o que trouxe alguns prêmios de fotografia nos festivais que o filme foi exibido em 2023. O jogo de câmeras é muito bem pensado, trazendo em vários momentos a bidimensionalidade para representar o confronto direto entre dois personagens. Além disso, uma característica do diretor está sempre presente também neste filme que são as sombras marcadas que dá um ar sombrio e que enaltece o suspense de diversas cenas. Ainda assim, Mais Pesado é o Céu não é um filme escuro. A saturação é muito bem usada ao longo do filme até como um contraste da vida difícil que os personagens levam, mas sempre debaixo de um céu azul para representar um novo dia que chegou com novas oportunidades. As paisagens do interior do Ceará também são uma mescla entre os momentos de total seca, para belos cenários com rios e pores do sol coloridos.

O longa sofreu algumas críticas entre o público que o assistiu em 2023, na época dos festivais, pela falta de originalidade nas temáticas apresentadas pelo longa. Apesar de tratar sobre temas batidos como a pobreza, com inclusive algumas falas que reforçam a crítica ao Estado Brasileiro, não é nada redundante falar sobre a vida de retirantes nordestinos e muito menos sobre prostituição por necessidade. Problemas sistemáticos e estruturais precisam ser abordados constantemente na mídia para justamente provocar a discussão desses temas na sociedade, e essa é notavelmente a intenção do diretor ao colocar esses temas de forma tão gráfica, deixando assim algumas cenas do filme bem pesadas. Ainda assim, algumas escolhas de roteiro no desenvolvimento do filme não foram tão necessárias, tampouco trouxeram alguma consequência para o desenrolar da trama, podendo ter dado lugar para um melhor desenvolvimento de personagens secundários, do próprio Antônio ou até mesmo um melhor desenvolvimento dos temas sociais abordados.

Mais Pesado é o Céu traz o gigante do cinema nacional, Matheus Nachtergaele, em um filme pesadíssimo, mas muito bonito e poético. Apesar das críticas recebidas no ano passado, o filme consegue passar muito bem a sua mensagem, trazendo à tona problemas recorrentes na sociedade brasileira. Apesar disso, o filme deixa a desejar em algumas escolhas de roteiro, mas ainda assim o show de atuação de Ana Luiza Rios e Matheus Nachtergaele carregam o filme sem dificuldade. Apesar de tanto sofrimento e dificuldade, o filme é carregado de paisagens belíssimas do sertão cearense, assim como um trabalho minucioso de fotografia do diretor Petrus Cariry, que é conhecido por sua fotografia mais intimista que combina bem com o ar de suspense que paira por todo o filme.

 

Ilustradora, Designer de Moda, Criadora de conteúdo e Drag Queen.

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