Nota
Maria Callas (Angelina Jolie) já foi uma das maiores cantoras de ópera do mundo. Vinda de uma realidade muito pobre, seus casamentos a levaram ao estrelato do tamanho do seu talento. Mas com o passar dos anos, sua saúde que já estava debilitada, fez a cantora perder cada vez mais o seu alcance vocal. E por não conseguir mais alcançar tantas notas como antes, Maria se vê depressiva e sem ânimo de continuar vivendo. O diretor Pablo Larraín nos leva a uma jornada nos últimos dias de vida de Maria Callas, acompanhando sua jornada de tentar voltar aos palcos de ópera em Paris, enquanto cede uma entrevista a um jovem repórter que deseja filmar seus últimos momentos de vida para criar um filme documental de sua trajetória, assim como dos seus últimos dias. Maria Callas é mais um filme intimista do diretor chileno.
Não é de hoje que o diretor chileno Pablo Larraín tenta emplacar nas premiações com filmes biográficos de figuras históricas femininas, foi assim com Jackie (2016), estrelado por Natalie Portman, Spencer (2021), estrelado por Kristen Stewart, e até mesmo com o ousado El Conde (2023), que não disputou nas categorias de atuação, mas recebeu um reconhecimento pela categoria de Melhor Fotografia. Em 2024, Larraín tenta lançar Angelina Jolie como sua aposta para levar um Oscar em 2025, tentando trabalhar todo o repertório da atriz de uma vez só com o seu novo filme. O filme foi muito bem recebido no Festival de Veneza em agosto de 2024, contando com um público que ovacionou Angelina Jolie por sua performance, o que deixou a atriz visivelmente emocionada ao deixar o evento, e isso indica um certo destaque e talvez até favoritismo do filme nas premiações do ano que vem, como o Oscar e o Globo de Ouro, assim como foi com Kristen e Natalie em seus respectivos anos.
Maria emplaca com técnicas de filmagem e direção de arte, consolidando o estilo do diretor Pablo Larraín, começado em 2016 com sua primeira biografia feminina e que foi refinada ao longo dos anos. Maria mostra um Larraín mais maduro e mais certo de suas escolhas estéticas, reforçadas pelas simetrias nos planos, o clima etéreo nas ambientações criadas pela paleta de cores e pelos efeitos de câmera e o uso inteligente do preto e branco como recurso para as memórias da personagem. Além das ambientações belas de uma Paris dos anos 70, o filme também se destaca por seu figurino impecável, que também demonstra o amadurecimento estético dos filmes de Larraín, que apesar de fugir do óbvio na questão do roteiro, sempre prezou pela fidelidade quanto às representações de figurino de suas personagens, recriando as roupas com perfeição, podendo ser comparadas inclusive ao final do filme, pelas imagens da Maria Callas real, para surtir como comparação. E devido a essa comparação no final, fica nítido ao espectador que, em primeiro lugar, a Angelina Jolie não foi a melhor escolha de elenco para representar a cantora grega, visto que Callas possui um rosto muito étinico e característico de seu país e a falta de semelhança de Callas com Jolie mostra a falta de empenho da produção do longa em criar uma melhor caracterização que aproximasse mais a atriz de sua personagem.
Mas apesar da falta de semelhança, não é apenas nas características físicas que distanciam Angelina Jolie de Maria Callas. Fica claro com sua performance todo o empenho e esforço colocado por Jolie no filme, mas não para entregar a melhor versão da personagem e sim para mostrar o que ela é capaz de fazer para os avaliadores das premiações, tornando sua atuação uma caricatura que não funciona. Em Spencer, por exemplo, Kristen Stewart entrega a performance de uma Princesa Diana extremamente caricata, mas reforçando a ideia que o público já tinha da personalidade de Diana, como se Stewart tivesse estudado comediantes e imitadores da Princesa para construir sua personagem. Já em Maria, Jolie não consegue exprimir uma personalidade à Callas para além da sua própria, como se estivéssemos vendo Jolie ao invés de Callas. Mas o roteiro do longa também não ajuda muito na atuação de Angelina, já que mesmo sendo uma marca do diretor de abordar pontos de vistas nunca antes pensados para as personalidades com o qual ele trabalha, dessa vez, especular apenas sobre os sentimentos de Maria Callas antes de sua morte em 1977, não agrega em nada para a história da personagem, onde apesar de sabermos de onde ela vêm, não sabemos o principal, quem ela é pelo seu próprio ponto de vista. Tanto em Spencer quanto em Jackie tínhamos conflitos fortes para as personagens poderem distanciar suas personas “públicas” para sua própria personalidade interior, o que mesmo tendo a perda da potência vocal de Maria Callas, não é o suficiente para sustentar seu conflito interno para desenvolvê-la como personagem da sua história.
Apesar de aclamado em Veneza, Maria Callas acaba sendo o filme com menos personalidade do diretor Pablo Larraín. A busca do diretor por um Oscar o faz não refinar seu roteiro para ajudar sua atriz principal e nem ao seu próprio projeto, criando uma obra confusa e sem uma mensagem final para passar. Apesar de Larraín se mostrar cada vez mais minucioso com seus projetos com relação a estética, criando em alguns pontos uma identidade estética que faz lembrar de filmes anteriores, seu novo projeto é belo demais, mas ainda não consegue exprimir uma personalidade narrativa coesa. Junto a isso, também há Angelina Jolie que não convence como cantora de ópera, não só pela sua dublagem amadora das músicas cantadas no filme, mas sim por não conseguir passar a personalidade forte de Maria Callas para as telas, tornando sua performance caricata por não conseguir acertar e ao mesmo tempo desesperada para tentar mostrar do que ela é capaz como atriz, mas esquecendo o mais importante: se atentar a personagem na qual ela está referenciando.