Crítica | Memórias de um Caracol (Memoir of a Snail)

Nota
4

“As piores prisões são aquelas que criamos para nós mesmos”. Essa é a mensagem principal do mais novo stop motion de tragicomédia indicado ao Oscar 2025: Memórias de um Caracol. Dirigido e roteirizado pelo animador Adam Elliot, que recebeu um Oscar em 2004 com sua animação em stop motion Harvie Krumpet, Memórias de um Caracol chega deixando em evidência as marcas de originalidade estéticas e narrativas do animador. Criando conexões com suas obras passadas, como uma de suas mais famosas: Mary and Max, Memórias de um Caracol banha bastante desse tom de extrema melancolia presente em sua filmografia, explorando sensações de nostalgia, tristeza e angústia.

O filme acompanha as memórias da Grace Prudel, ambientadas na Austrália, entre meados dos anos 70 e 90. Crescendo em um ambiente familiar completamente caótico, juntamente com o seu irmão gêmeo Gilbert, Grace desde cedo teve que lidar com perdas, sendo a separação do seu irmão ocasionado pelo sistema de adoção, a mais dolorosa delas. Memórias de um Caracol é um fortíssimo nome na categoria de animações ao Oscar 2025, sendo um filme que desafia as noções de linearidade e os moldes comerciais presente em boa parte das animações, ao ser voltada a um público adulto e tratar de temáticas mais complexas e existenciais de maneira totalmente não eufêmica.

Seguindo a linha da filmografia do Adam Elliot, Memórias de um Caracol consegue abranger o público adulto muito bem, ao abordar questões bastante inerentes na realidade de inúmeras pessoas que lidam com a perda e entram em um estado depressivo extremamente difícil de sair, assim como Grace Prudel. Então, a obsessão da garota em caracóis, é uma metáfora muito significativa para a completude da obra, em que a concha representa justamente esse estado de “prisão”, em que a Grace é um Caracol que entra dentro da concha para se proteger de toda a desgraça a sua volta. Dessa forma, a coleção enorme de caracóis que a protagonista vem adquirindo e acumulando desde a infância, correlacionada à noção de consumismo, enfatiza mais ainda como esses essa obsessão é um mecanismo de lidar com toda aquela dor de forma evitativa. Grace Prudel, então, sempre se escondia dentro de sua concha ao invés de bater de frente com a realidade.

Também é interessante observar como Memórias de um Caracol aborda os acontecimentos da vida da protagonista de maneira completamente bruta e desfêmica, destoando completamente de animações que se voltam ao público infantil. Essa é uma característica bastante marcante nas obras de Adam Elliot, tornando-se um dos principais elementos da animação que concorre ao Oscar de 2025. Entretanto, chega um momento na obra em que a quantidade de acontecimentos ruins na vida de Grace Prudel chega a passar uma noção que beira o sensacionalismo. No entanto, o final da animação é bastante fechado e condizente com todo aquele contexto de desgraça da Grace, o que acaba por mascarar esse toque que de certa forma pareceu forçado no filme.

Fica evidente que Memórias de um Caracol passa uma importante reflexão acerca da forma em que o ser humano lida com as perdas e frustrações da vida, e, justamente, como sair de dentro da concha para lidar com essas situações faz toda a diferença no caminhar dessa longa, e ao mesmo tempo breve jornada. Memórias de um Caracol, assim, é sobre a necessidade de sair de uma zona de conforto que é completamente desconfortável. A metáfora do caracol então cai como uma luva perante essa obra tão única e necessária.

 

Estudante de cinema, pernambucana

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