Nota
“A Arte é revolucionária… E nesses tempos em que até a inteligência é artificial, saber o quanto um artista preto brasileiro conseguiu tocar o mundo é o que nos move e nos dá razão de acreditar no poder desse país indecifrável, mas que tem alma…”
Quando é que é hora para um grande nome se despedir dos palcos? Para Milton Nascimento, esse momento foi vivido com uma enorme emoção após seus 59 anos de carreira. Bituca foi o nome escolhido para ilustrar a última turnê do artista que teve como sede do seu último show o estado de Minas Gerais no famoso “Mineirão”. O nome da turnê não foi por acaso, já que Bituca é o apelido que o artista ganhou ainda quando criança, por fazer muito “bico” quando era contrariado. Talvez o apelido servisse bem a sua personalidade, já que ilustra muito bem a perseverança do músico brasileiro reprovado nas aulas de canto, mas que se tornou doutor em música por uma das melhores faculdades de música do mundo. O documentário promete emocionar fãs e não fãs do cantor, filmado ao longo de dois anos, registrando justamente a longa jornada de shows da turnê Bituca, assim como os shows internacionais que Milton Nascimento fez, encantando todos por onde passou. O mais importante, além de acompanhar as músicas populares de sua carreira, o documentário se propõe a mostrar a intimidade de Milton Nascimento com cenas dos bastidores dos shows, mas também acompanhando a história da sua vida e vasta carreira pelos comentários de artistas renomados do Brasil e do Mundo. Essa celebração de sua carreira mostra que seu legado de fato teve um impacto mundial, e não é para menos, visto que Milton é um dos maiores nomes da música nacional e internacional, sendo reconhecido inclusive no Grammy internacional. O filme estreia no dia 20 de março em todos os cinemas nacionais, aproximando ainda mais a música e a história de Milton Nascimento para seus fãs.
Dirigido por Flávia Moraes, que teve grande popularidade no começo dos anos 2000 por acompanhar a dupla Sandy e Júnior em diversos projetos como Acquária (2001), a diretora se aventura agora em seu primeiro documentário, tendo a difícil tarefa de contar a história dos últimos shows de um dos maiores nomes da música brasileira e internacional, o cantor Milton Nascimento. O que mais se sobressai na produção, sem dúvida é a edição que se mostra de uma excelente qualidade, tudo graças a parceria de Laura Brum com a diretora Flávia Moraes, que além dos aspectos gerais, onde o filme tem sacadas incríveis de como contar sua história, a edição se torna super inovadora a partir do momento que se utiliza em diversos momentos da interpolação das vozes, sejam nos depoimentos ou sejam em trechos cantados, que criam um link direto com a técnica vocal de Milton Nascimento, que mescla as notas na hora de cantar com composições imprevisíveis, o que torna uma ótima sacada que explora genialmente a metalinguística do próprio filme em si. Além disso, o filme usa e abusa da interpolação de imagens também, mesclando algumas cenas entre si de uma forma super inteligente, aproveitando ao máximo o material gravado para criar uma obra de arte única inspirada na obra de Milton.
Ao contrário de muitos outros documentários que acompanham turnês de artistas, que normalmente tem um foco maior em cobrir o show em si, Milton Bituca Nascimento além de fazer um apanhado sobre a vida de Milton Nascimento, também faz um ótimo trabalho histórico em reunir depoimentos de diversos artistas de fora do Brasil, durante a turnê Bituca pelos Estados Unidos, que mostram a importância do trabalho de Milton na sua influência para a música norte americana. Há uma discussão entre artistas brasileiros sobre o gênero musical a qual Milton pertence, mas independente disso, a sua influência para o jazz contemporâneo nos Estados Unidos é inegável. Os depoimentos de artistas renomados lá de fora emocionam o público por mostrar como é importante a arte brasileira, e como é lindo ver o reconhecimento mundo afora, assim como os depoimentos de diversos artistas brasileiros renomados, orgulhosos pela trajetória de Milton Nascimento, que complementam bem a trajetória de sua vida. O documentário também conta com a narração da consagradíssima Fernanda Montenegro, que faz um trabalho excepcional como narradora, trazendo uma boa interpretação do texto que lhe foi dado de uma forma emocional, quase como se o texto do documentário fosse um texto dramático, o que traz muita vida e identidade para o longa. Apesar da escolha de Fernanda na narração ter sido impecável, talvez trazer uma atriz negra como escolha de elenco, como a incrível Zezé Motta por exemplo, trouxesse mais impacto, visto que muitas passagens do documentário falam sobre negritude, então uma narração de uma atriz ou ator negro poderia enriquecer as falas do roteiro, mas ainda assim não há do que se reclamar da narração de Fernanda Montenegro.
Com o emocionante Milton Bituca Nascimento, o cantor Milton Nascimento se despede oficialmente dos palcos com um filme lindo sobre o seu legado inigualável para o mundo. Passando por diversos momentos de sua vida pessoal, mas sobretudo dos registros de sua carreira brilhante, o primeiro documentário da diretora Flávia Moraes sobretudo é uma celebração à arte brasileira, trazendo inclusive registros históricos da importância do trabalho de Milton Nascimento para a música mundial, devido a sua enorme influência e impacto para as novas gerações de cantores de jazz e mpb. As cenas que mostram as conexões de Milton através de suas obras com o seu público de diversas partes do mundo são embaladas por elementos inovadores de edição e um olhar cuidadoso com sua narrativa, sem ultrapassar os limites da intimidade do cantor, trazendo um roteiro muito respeitoso a suas memórias, sem sensacionalismos. Milton Nascimento já é um ícone imortal da sua música, seja pela sua técnica vocal única, pelas histórias que moldaram sua jornada ou pelo reconhecimento internacional de sua arte, o documentário eterniza sua trajetória de uma forma emocionante provando que não há ninguém como Milton Nascimento.