Crítica | Não Solte! (Never Let Go)

Nota
1.5

A tensão da vida isolada em um ambiente hostil pode ser uma das maiores fontes de horror na narrativa cinematográfica. A ideia de estar cercado pelo desconhecido, enquanto se luta para proteger aqueles que amamos, acende um fogo de desespero que permeia a mente e o coração. É nesse contexto que o novo longa-metragem de Alexandre Aja (Predadores Assassinos) se desenrola, propondo um dilema angustiante sobre sanidade e proteção familiar.

Não Solte! segue a trajetória de uma mãe, interpretada por Halle Berry, que vive em uma cabana isolada na floresta com seus dois filhos, Samuel (Anthony B. Jenkins) e Nolan (Percy Daggs IV). Convencida de que forças malignas ameaçam suas vidas e que o mundo exterior foi devastado, a mãe impõe a eles regras severas: enquanto estiverem fora de casa, devem estar sempre amarrados a uma corda. À medida que a trama avança, a dinâmica familiar se complica quando os filhos começam a questionar a veracidade das crenças da mãe, resultando em uma luta desesperada pela sobrevivência, entre a confiança na figura materna e o desejo de explorar o mundo que ela tanto teme.

A direção de Aja, conhecido por sua habilidade em criar atmosferas de suspense e horror, se destaca na forma como ele constrói um clima opressivo que permeia cada cena. Desde o uso cuidadoso de luz e sombras até a maneira como os sons da floresta se transformam em personagens por si só. O diretor utiliza técnicas visuais e sonoras para amplificar o medo e a incerteza. A atuação de Halle Berry é um ponto alto, pois ela transmite com maestria a fragilidade e a força de uma mãe que luta contra seus próprios demônios enquanto tenta proteger seus filhos.

Entretanto, a simbologia do filme é onde surgem algumas de suas questões mais intrigantes e, ao mesmo tempo, problemáticas. O uso da corda como um símbolo de segurança e prisão reflete a dualidade da situação em que a família se encontra: enquanto a corda oferece proteção, ela também os impede de explorar e entender o mundo ao seu redor. Essa metáfora poderia ter sido mais bem desenvolvida ao longo da narrativa, aprofundando a discussão sobre as limitações que impomos a nós mesmos em nome da proteção.

Além disso, o roteiro, co-escrito por KC Coughlin e Ryan Grassby, apresenta uma interessante proposta de tensão entre a realidade e a percepção. A questão da sanidade da mãe e a potencial ilusão que ela enfrenta são temas recorrentes que ecoam em muitos filmes de terror psicológico. Contudo, a execução dessas ideias não é totalmente consistente. A escolha de não esclarecer totalmente o que está acontecendo no mundo externo gera uma ambiguidade que, embora intrigante, pode frustrar o público que busca respostas claras.

A dualidade entre o psicológico e o sobrenatural é um dos aspectos que poderia ter sido melhor trabalhado. O filme parece vacilar entre esses dois mundos, deixando o espectador confuso sobre a natureza da ameaça que a família enfrenta. Às vezes, é apresentado como uma luta contra forças sobrenaturais, enquanto em outros momentos se sente mais como uma exploração da mente de uma mãe desesperada. Essa indecisão em estabelecer um tom claro resulta em uma narrativa que, em certos momentos, parece se arrastar, perdendo a tensão que deveria ser constante.

A performance dos jovens atores, Anthony B. Jenkins e Percy Daggs IV, também merece destaque. Eles representam as diferentes reações que crianças podem ter diante do medo e da incerteza. Samuel, por um lado, se apega às crenças da mãe, enquanto Nolan começa a duvidar e questionar a realidade. Essa dinâmica cria um conflito interno que poderia ser mais explorado para aprofundar a trama.

Em seu ato final, Não Solte! desvia de seu caminho intrigante, oferecendo uma conclusão que se sente abrupta e excessivamente explicativa. Esse fechamento, que tenta dar sentido ao que foi apresentado anteriormente, se afasta da sutileza que caracterizou os momentos iniciais do filme. O resultado é uma sensação de que a história poderia ter explorado mais suas camadas temáticas em vez de oferecer respostas prontas e convenientes.

Em suma, Não Solte! é uma obra que possui elementos promissores, mas que acaba se perdendo em sua própria ambição. A direção de Aja e as atuações são, sem dúvida, seus pontos fortes, mas a falta de clareza na simbologia e na narrativa sobre a dualidade psicológica e sobrenatural impede que o filme atinja todo o seu potencial. Assim, embora o longa consiga criar momentos de tensão e reflexão sobre a natureza do medo e da proteção, ele também se deixa levar por uma linearidade que poderia ter sido mais desafiadora e impactante.

 

Pernambucano, jogador de RPG, pesquisador nas áreas de gênero, diversidade e bioética, comentarista no X, fã incontestável de Junji Ito e Naoki Urasawa. Ah, também sou advogado e me arrisco como crítico nas horas vagas.

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