Crítica | Napoleão (Napoleon)

Nota
3.5

Quem seria capaz de imaginar que seria possível uma descaracterização de uma das figuras históricas mais emblemáticas de todos os tempos ao ponto de o retratar como uma pessoa absolutamente diferente do imaginário popular? Essa é a percepção que Ridley Scott (Casa Gucci) consegue trazer em seu novo longa Napoleão. Protagonizado mornamente pelo ganhador do Oscar Joaquin Phoenix (Coringa), temos no longa uma narrativa que beira o satírico a respeito da vida de Napoleão Bonaparte, um general que se tornou 1º Consul e depois Imperador da França em um período pós-Revolução Francesa. Chamar a interpretação de morna não é um demérito, longe disso, se trata apenas de uma constatação mediante o tom adotado do filme, longe de uma megalomania esperada em uma obra que retratasse um figurão da história reconhecido mundialmente por tamanhas conquistas.

A abordagem escolhida traz Napoleão como uma figura que chega a ser tediosa perante sua própria história. Uma representação, novamente, que chega a tecer tons satíricos de um homem que possui dependência emocional e, talvez, um quase complexo edipiano que passa a ser transportado para sua primeira esposa, Josephine de Beauharnais (Vanessa Kirby), ansiedade e, em alguns momentos, uma covardia que contrasta com o que é ensinado a respeito de Bonaparte.

Ridley Scott e David Scarpa não se comprometem com a veracidade dos fatos em sua totalidade, e isso é deixado ainda mais claro, por exemplo, na emblemática passagem do exército napoleônico pelo Egito, que acaba retratando um dos erros históricos mais gritantes para os estudiosos. Scott já havia deixado claro sua posição quanto aos erros apontados por historiadores e esses são verdades. Obviamente não existe problema algum com a abordagem, sendo essa a liberdade criativa que todos devem ter, porém que deve ser deixada clara desde já para evitar que acreditem ser uma verdadeira aula de história documental.

Os dois nomes a destacar no filme não são outros do que Joaquin Phoenix e Vanessa Kirby, isso é obvio. Joaquin consegue, mesmo em sua melancolia supracitada, transpassar o que foi pedido: uma paródia soturna de um grande líder que, ao mesmo tempo que é incapaz de lidar com suas questões intimas e pessoais, se torna uma figura de poder e extremamente respeitada por quem o acompanha de longe. Uma figura carismática e que possui apenas três amores em sua vida inteira, amores esses que se tornam suas últimas palavras: “França…o exército…Josephine”. Kirby por outro lado se demonstra uma personagem com o fogo que falta na tocha do Napoleão de Phoenix. Ao conquistar seu tempo de tela e mostrar até onde suas teias conseguem se estender, vemos a construção de uma das mulheres mais poderosas, se não a mais, de seu tempo. Isso tudo contrastando com sua nuvem de defeitos para a época, que logo são mostrados de forma a não acharmos que existe qualquer alma pura naquele tempo.

Se segurando em um visual e estética belíssimos e cenas de batalhas épicas, talvez em outro momento o longa pudesse conquistar um melhor espaço na corrida para o Oscar, porém diante de tantos épicos lançados nesse ano, Napoleão acaba sendo um filme que apenas tenta ser megalomaníaco sem ser. Talvez, ainda, o mais irônico seja que quem decidiu essa abordagem seja um diretor inglês tratando sobre uma das figuras francesas mais importantes, e que ainda hoje é extremamente respeitada. Talvez seja apenas uma ironia do destino, ou não, que tal como em Waterloo, quem traz essa derrocada para o francês seja um inglês que o menospreza.

 

Pernambucano, jogador de RPG, pesquisador nas áreas de gênero, diversidade e bioética, comentarista no X, fã incontestável de Junji Ito e Naoki Urasawa. Ah, também sou advogado e me arrisco como crítico nas horas vagas.

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