Crítica | Nosferatu [2024]

Nota
4

Ellen Hutter (Lily-Rose Depp), está recém casada com o agente imobiliário Thomas Hutter (Nicholas Hoult) e esconde dele visões que ela tem desde criança, e que nem ela sabe explicar. À medida que ela cresce, esses sentimentos se tornam mais fortes e as visões mais pesadas, mesmo assim ela tenta não ligar para isso e focar na felicidade de estar casada com um homem que ela ama. Seu marido recebe uma boa proposta de seu chefe, Knock (Simon McBurney), que pode deixar ele e sua esposa muito bem de vida e quitar suas dívidas, mas para isso ele precisa vender uma propriedade para o misterioso Conde Orlok (Bill Skarsgård), que não pode se deslocar, o que faz Thomas viajar até a Transilvânia para ir de encontro ao Conde. Em sua longa viagem, deixando sua esposa sozinha aos cuidados de amigos da família, Thomas descobre que os locais temem o conde e dizem histórias horríveis, fazendo Thomas temer mais ainda esse encontro. Enquanto isso, Ellen tem uma piora com suas visões, preocupando sua melhor amiga, Anna Harding (Emma Corrin), fazendo todos recorrerem ao médico especialista em casos sobrenaturais, o Professor Albin Von Franz (Willem Dafoe), que se interessa bastante pelo caso de Ellen. Baseado no clássico do cinema de 1922, o misterioso Nosferatu é a aposta do diretor Robert Eggers de uma nova adaptação que faça jus ao imaculado expressionista alemão.

Conhecido por sua estética e pela abordagem de temas mais sombrios, o diretor Robert Eggers, conhecido por filmes como The Lighthouse (2019), tem agora a difícil tarefa de adaptar um clássico do cinema mundial. Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens (1922) é inspirado no romance Drácula (1897), porém trouxe sua marca ao cinema mundial ao, sem querer, definir estereótipos de vampiros que seriam replicados em inúmeras obras subsequentes ao filme. Mas ainda assim essa não é a primeira adaptação ao clássico, sendo o segundo remake, após a tentativa de 1979 de tentar replicar o filme com um olhar mais moderno, mas que pelo orçamento da época não obteve tanto sucesso assim. Em 2024, o diretor Robert Eggers traz um novo olhar para a obra, transformando o terror clássico num terror mais contemporâneo, com técnicas conhecidas pelo grande público, como o jumpscare e a utilização do grotesco como fator de choque, mas mesmo assim o diretor afirma ter se inspirado principalmente na obra original de 1922, em especial nos textos e roteiro de Henrik Galeen, roteirista alemão de diversos filmes da época, e que mesmo trazendo um roteiro linearmente muito parecido com a referência principal, o diretor se mostra indeciso na condução do filme por fazer referências não só ao livro Drácula, como algumas escolhas estéticas de produção que se assemelha muito a última adaptação de 1979

As incongruências de roteiro começam pela caracterização do personagem do Nosferatu, que em ambas adaptações anteriores, apesar de sua aparência pálida, com olhos marcados e que causam estranheza, ainda consegue se passar por um ser humanoide, e que de fato tem uma função narrativa, já que o Conde que se torna obcecado pela Ellen, tem a todo tempo uma melancolia que beira o romantismo, mas ainda assim medonho. O Nosferatu de Eggers, começa já com um bigode enorme, que é uma referência direta ao livro Drácula, mas que faz uma total descaracterização do personagem de 1922, até porque esse pequeno detalhe esconde uma parte do rosto, limitando ainda mais as expressões do ator Bill Skarsgård, o que não aconteceu em adaptações prévias, visto que o Nosferatu sempre teve seu rosto e expressões em grande evidência, sendo não um personagem que serve apenas como “um monstro de filme de terror”, mas sim um protagonista de seu próprio filme. Outro aspecto de caracterização foi a escolha de transformar esse novo Nosferatu em um corpo em decomposição, que poderia ter um sentido narrativo mais interessante, mas na verdade não vai a lugar nenhum, além de trazer um grotesco ao filme que só alimenta a nova estética escolhida de transformar a histórica clássica em um terror mais “atual”.

Quem de fato sustenta o filme são as atuações de todo o elenco, que surpreendem por não cair tanto em performances clichês de filmes de terror genéricos. A alma do filme, sem dúvidas, está com a performance da Lily-Rose Depp, que entrega nuances da personagem Ellen que não haviam sido trabalhadas ainda nas outras adaptações, trazendo um olhar diferente a personagem. Quem também dá show é o Bill Skarsgård, apesar de não ser uma surpresa visto o sucesso que foi com seu papel em It: A Coisa (2017), que o consolidou como um “rosto” para papéis de “monstros” que funciona muito bem com essa versão de um Nosferatu mais monstruoso, mas o mérito da performance vai todo para o Bill por sustentar o sotaque e os novos maneirismos do personagem, criados para construir uma persona mais amedrontadora. Outro destaque vai para Willem Dafoe, que também não é uma surpresa, visto que o ator se joga de cabeça em toda produção que participa, mas em Nosferatu ele torna-se um ótimo ponto focal durante o seu arco, deixando o filme e as interações até mais interessantes pela sua presença. 

Robert Eggers se esforça bastante também para manter vivas algumas referências estéticas de Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens dentro de seu novo longa, e é aí que o diretor acerta em cheio. Apesar do filme variar entre cenas coloridas e em preto e branco, que fazem sentido com o contexto da nova narrativa, mas que são desnecessárias podendo ter um filme todo abraçado em um preto e branco bem feito, o jogo de luz e sombra feito pelo diretor acaba sendo essencial para a maioria das cenas de impacto, como a clássica cena da sombra do Nosferatu subindo as escadas que foi recriada de forma exemplar, e ainda por cima houveram ótimas adaptações envolvendo esse conceito explorando diferentes formas de transformar a sombra do Nosferatu em uma espécie de “poder” do personagem. 

Nosferatu cumpre muito bem o seu papel de recriar um clássico para um filme de terror atual, já o de adaptar o clássico de 1922 nem tanto. O novo longa de Robert Eggers recai em velhos truques conhecidos da audiência do terror, como os conhecidos jumpscares e o fator de choque, assim como a falta de uma trilha sonora mais épica como feito na adaptação antecessora de 1979, que empobrece o filme num âmbito de adaptação. Mas como uma reimaginação do Nosferatu enquanto essa nova figura monstruosa e aterrorizante, o longa acerta bem, prometendo inclusive atrair um novo público para conhecer a história clássica do Nosferatu, como comentou inclusive o diretor em diversas entrevistas recentes. Além dos recursos técnicos, que são um show à parte tendo diversas cenas muito bem iluminadas mesmo em ambientações sombrias, o grande destaque do filme são sem dúvidas as atuações com performances incríveis de um elenco de peso, com os destaques Lily-Rose Depp e Bill Skarsgård, mas também com ótimas performances de Willem Dafoe e Simon McBurney, que dá a vida para seu personagem mesmo em pouco tempo de tela. Nosferatu é a nova promessa do terror com o novo olhar de Robert Eggers, e chega aos cinemas brasileiros somente em 2 de janeiro de 2025.

 

Ilustradora, Designer de Moda, Criadora de conteúdo e Drag Queen.

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