Crítica | O Caso Richard Jewell (Richard Jewell)

Nota
3

A jornada do bom cidadão americano médio – que acaba se metendo em apuros ao cumprir seu dever e honrar o ofício – é parte considerável da ala conservadora de Hollywood da qual Clint Eastwood é expoente. Nos seus filmes mais recentes essas chaves temáticas se tornaram epicentro: Sully: O Herói do Rio Hudson (2016), 15:17 – Trem para Paris (2018) e, agora, O Caso Richard Jewell são discursos direcionados a casos clássicos de heroísmo patriota ideologicamente questionável. A objetividade emocional desse último, todavia, obstrui consideravelmente o fator propaganda ideológica.

Mais semelhante ao tratamento técnico discreto de seu último longa, o simples e sólido A Mula, O Caso Richard Jewell acompanha a história real do atentado ocorrido em 27 de julho de 1996, no Centennial Park (Atlanta, Georgia). O guarda de segurança Richard Jewell, que trabalhava no local, advertia um grupo de jovens quando notou a presença de uma mochila suspeita – que, de fato, carregava uma bomba cuja explosão matou duas pessoas e deixou dezenas feridas. A intervenção do segurança felizmente permitiu a evacuação de um grande número de civis, evitando que muito mais pessoas fossem atingidas.

Assim como em Sully, em que Tom Hanks interpreta o piloto que salva a tripulação inteira de um avião ao arriscadamente pousá-lo no Rio Hudson e é posteriormente investigado, não demora para que a ação de Jewell, tratada a princípio como heroica, rapidamente se transforme em suspeita, até ele ser completamente tachado de culpado pelo FBI e pela mídia. Diferente do filme de 2016, no entanto, a esfera temática sai da esfera da negligência e vai para o terrorismo – intensificando o cerco em torno do protagonista e o inferno que vira sua vida.

Visto que o caso se passou anos antes do 11 de setembro, é certo que a paranoia não estava instalada na sociedade americana como veio a ficar depois. Obviamente a “alienação” do povo diante dos perigos do terrorismo é ferramenta motriz para que Clint Eastwood aplique um componente quase profético a Jewell e à história. O que demove O Caso Richard Jewell de adentrar nesse território ideologicamente esquemático é o roteiro sem barriga ou arrodeios de Billy Ray, responsável pelo excelente Capitão Phillips (2013) e também por mediocridades como Projeto Gemini (2019). Aliado ao estilo de direção enxuto de Clint, o primeiro ato revela a personalidade do protagonista de maneira tão franca que, com o desenrolar dos acontecimentos, a simpatia ou relação com ele se torna opcional. Apesar de nunca subverter seu ideal conservador, o diretor expõe suas intenções com uma honestidade exemplar, especialmente na humanidade com que desenvolve drama.

A dinâmica cenográfica centrada em locações limitadas, exploradas sempre de forma objetiva, evidencia muito o caráter sobriamente sentimental de O Caso Richard Jewell, que se assemelha muito a A Mula nesse naturalismo cheio de silêncios controlados, sem nunca recusar resoluções mais frontais. O senso de humor é muito bom justamente por quebrar o sentimentalismo e, de tabela, caracterizar outras facetas de Jewell (a descoberta das armas é impagável); e se não fosse a composição tão rica de Paul Walter Hauser no papel principal – que oscila muito bem entre a aparente ingenuidade/fragilidade e o ideal de atitude/responsabilidade -, o filme dificilmente encontraria qualquer tipo de conexão, já que, por mais bem interpretados que sejam, os coadjuvantes são peças que mais servem ao drama do que o drama lhes serve.

Com impressionantes oito filmes grandes lançados na última década, entre erros e acertos, Clint Eastwood continua a provar que uma linha ideológica pode influenciar uma filmografia sem limitá-la. E, por incrível que pareça, a cada filme ele prova ser muito menos conservador do que parece. Enquanto tantos cineastas estigmatizados como alternativos e independentes têm se revelado cada vez mais fechados dentro de seus próprios métodos, é bastante satisfatório ver um cineasta de 89 anos lidando com temas polêmicos e variados de maneira tão aberta, sem deixar de ser quem ele sempre foi.

 

De Recife (PE), Jornalista, leonino típico, cinéfilo doutrinador.

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