Nota
O Massacre da Serra Elétrica não é apenas um filme de terror comum, mas uma grande sátira sobre a podridão que as hipocrisias escondem nos arredores norte-americanos e a histeria que alimenta toda essa questão. Logo nos primeiros minutos, quando corpos em completo estado de putrefação surgem no canto de uma estrada, já se pode perceber o tom crítico da narrativa. Aqui, Tobe Hooper não quer que tudo aquilo seja “gratuito” aos nossos olhos, pois mostra uma certa indiferença das pessoas a esse cenário brutal, e os acontecimentos seguintes, regados a sangue, tensão e crítica, exemplificam bem esse ponto.
Em todo momento, a narrativa busca criar o sentimento de tensão. Afinal, a ideia de colocar um grupo de jovens perdidos numa casa abandonada perto de uma bizarra família não parece muito confortável – e realmente não é. Por mais que esses jovens não sintam medo desse lugar, o mesmo não se pode falar dos espectadores. Hooper sabe que é necessária essa tensão e a explora o máximo possível, mas sem torná-la cansativa – ora, como segurar um público se nada acontece? E um filme que une vários gêneros conhece bem esse aspecto, mesmo com o baixo orçamento e uma condução aparentemente simples – e é justamente essa simplicidade que o torna gigante.
Dentro desse contexto, a família do Leatherface (ou cara de couro, como preferir) é a perfeita construção de um núcleo familiar extremamente apegado ao tradicionalismo, ainda que considerem atrocidades como “tradicional”. Afinal, os absurdos que eles cometem (assassinato, tortura, canibalismo e entre outros), na mentalidade completamente distorcida deles, encontra respaldo na religião – em nome do Pai, realmente vale tudo? Algo que não se diferencia muito da realidade, quando vemos pessoas que praticam desumanidades e justificam tudo na religiosidade, como se o ato de torturar um ser humano até a morte fosse a coisa mais normal do mundo. E chega até ser curioso o fato de que o referido vilão só aparece após os primeiros 30 minutos do longa e já com sua sádica máscara e sua temível motosserra em ação, numa sequência completamente tensa e que demonstra a sangria dessa horripilante criatura.
Ainda sobre a cena da primeira aparição de Leatherface, há um ponto que deve ser destacado: a construção do horror. É impressionante como tudo ali beira ao medo, principalmente os ossos e crânios espalhados como um santuário ao redor da casa, praticamente numa espécie de extensão do pavor. É visível, inclusive, a tentativa de Hooper em deixar o espectador desconfortável, de modo a colocá-lo no lugar da personagem que presencia toda aquela bizarrice. De repente, o espectador se torna testemunha do sadismo, sobretudo quando se percebe que todos aqueles ossos provavelmente são de vítimas abatidas das maneiras mais brutais possíveis – e a própria composição de Leatherface é a síntese clara dessa brutalidade.
Quanto mais o filme se desenvolve, mais violento fica. Nesse sentido, repare que essa violência, embora gráfica em alguns trechos (a cena em que uma das jovens é colocada num gancho, tal qual um animal num açougue, sintetiza bem essa crueldade), sabe ser sutil e não apelativa. Hooper deseja construir o horror e tem em suas mãos boas ferramentas para isso, primordialmente com os momentos indigestos. Mais do que isso, ele sabe que o tom violento se torna ainda mais possível com os sentidos, sobretudo o temor que estampa os rostos dos personagens – inclusive, chega a ser extremamente desconfortável os takes exaustivos nos rostos, mesmo que necessários para a ampliação do medo no enredo. É, mais uma vez, a plena certeza do grande trabalho da produção.
Ainda nesse contexto, o filme chega a um momento crucial: a cena do jantar. Ou melhor, a bizarramente desconfortável cena do jantar. Ali, Hooper atinge seu auge de tensão, entre a imundície do local e as feições sádicas dos familiares, ao colocar a protagonista – Sally, uma ótima Marilyn Burns, cujo medo estampa seu olhar – subjugada por essa família e horrorizada pelas barbaridades da qual passa a ser testemunha. As criaturas tenebrosas desse núcleo promovem uma verdadeira tortura psicológica com a moça e a expõem a um completo estado de barbárie, o que demonstra que, por mais que não seja uma tortura física, a mente entra em degradação ao ser exposta a tudo aquilo e se torna vulnerável a cada instante. É, portanto, o ápice do roteiro desse filme.
Quanto à direção, é impossível não falar novamente sobre os cortes secos e a atmosfera tensa promovida pela câmera. Em diversos momentos, a lente de Hooper parece nos colocar dentro desse cenário, assim como a praticamente ausência de trilha sonora. Nesse ponto, vale salientar que até o silêncio se torna temível, porque demonstra a frieza das ações e que os passos dessa família (principalmente de Leatherface) são minuciosamente calculados. O filme, embora tenha um tropeço na sua metade, sabe bem conduzir sua direção, com a absoluta certeza.
Por fim, é curioso e assustador perceber que as críticas de O Massacre da Serra Elétrica, apesar de quase 50 anos depois, seguem atemporais justamente pelo contexto em que muitos vivem. Além disso, é interessante analisar que Tobe Hooper molda toda uma geração e um gênero específico com essa história (e não falo apenas das suas várias sequências), mostrando como se entrega tudo, mesmo sem prometer nada. Obra-prima!
Vinicius Frota
Apenas um rapaz latino-americano apaixonado por tudo que o mundo da arte - especialmente o cinema - propõe ao seu público.