Crítica | Os Boxtrolls (The Boxtrolls)

Nota
4.5

“Por um Chapéu Branco eu sou capaz de exterminar cada Boxtroll desse lugar.”

A cidade de Pontequeijo até poderia ser um lugar pacato e acolhedor… se não fosse seus vizinhos subterrâneos que atormentam seus cidadãos por décadas. Durante anos os Boxtrolls viveram isolados, se aproximando na calada da noite longe do olhar humano, até que, em um dia fatídico, levaram consigo o pequeno bebê Trubswan e assassinaram seu respeitável pai.

Preocupado com seu estoque de queijo, Lorde Roquefort (Jared Harris) contrata o infame Arquibaldo Surrupião (Ben Kingsley) para exterminar as terríveis criaturas de uma vez por todas, que aceita com uma condição: após cumprir o serviço, o exterminado deseja um Chapéu Branco, o item mais nobre da cidade que lhe dá direito a um seleto grupo de degustação de queijos.

Acontece que, apesar de sua aparência grotesca, os Boxtrolls estão longe de serem os monstros que todos imaginam. Gentis e bastante tímidos, eles passam boa parte da vida escondendo-se das criaturas do mundo superior e vasculhando o lixo urbano, para construírem seu mundo subterrâneo, mas poucas pessoas se importam com isso ou minimamente ligaram para tal fato.

Tudo muda quando Ovo (Isaac Hempstead-Wright), um garoto criado pelos monstrinhos encaixados, decide por um fim à sua jornada de perseguição. Cansado do medo constante de seus amigos, o garoto emerge ao mundo da superfície. Com a ajuda inesperada de Winnie (Elle Fanning), filha do monarca de chapéu branco, o rapaz pretende acabar de vez com a farsa que cerca a única família que um dia conheceu e mostrar quem são os verdadeiros monstros da cidade.

A Laika sempre foi notória por sua qualidade técnica, construindo filmes magníficos que atraem pouco público mas encanta todos que se atrevem a vê-los. Com um currículo curto mas extremamente memorável, a empresa se afasta das formulas fofas para criar ambientes inteiramente artístico, que esta determinado a apresentar o melhor naquilo que se propõe… mesmo que o retorno seja muito abaixo do esperado.

Tendo isso em mente, o estúdio encarnou sua terceira obra, afastando-se do fofo pelo fofo para construir um mundo que beira ao medonho, mas que tem muito a nos contar. Baseado no livro A Gente é Monstro!, de Alan Snow, Os Boxtrolls mergulha em sua estranheza para trazer críticas sociais palpáveis, que instigam e incomodam de uma maneira inteligente, mostrando todo o cinismo criativo por trás de seus idealizadores.

Dirigido por Gharam Annable e Anthony Stacchi, o longa aborda, com maestria, toda complexidade social na qual busca se inserir, demostrando um cuidado impecável com a história aqui narrada. São inúmeras as nuances narrativas aqui apresentadas, com signos visuais que significam tanto para a história que ficam gravados em nossas mentes, mesmo depois de o filme ter terminado.

O longa traz um avanço absurdo em termos técnicos, demostrado um crescimento palpável do estúdio perante sua obra anterior. São detalhes minuciosos e interações magnificas, que demostram todo o carinho e cuidado da equipe com o projeto. O engrandecimento dos sets e a fluidez de movimentos consegue transmitir toda harmonia entre o manual e o gráfico, chegando até a ter uma ótima piada sobre isso próximo aos créditos finais.

A dualidade de seus personagens e a necessidade em se encaixar em padrões pré-estabelecidos se mostra de forma gritante, enquanto os mesmos almejam conteúdos tão vazios de significado apenas por trazer alguma pompa ou diferença em sua vida decadente. O texto ainda coloca a velha questão da monstruosidade humana ao demonizar tão facilmente aquilo que lhe é diferente, enquanto utilizam dessa característica para seus fins macabros mascarando-se de heróis.

Personas com real poder para fazer mudanças estão mais preocupados em comer queijo enquanto os monstros subterrâneos querem apenas viver suas vidas de forma pacífica e feliz. Ao começar sua trama com sua história distorcida, o longa já apresenta indícios de sua desconstrução, que se prova ainda mais completa nos minutos seguintes. Enquanto todos da superfície acreditam no conto macabro, nós somos apresentado à verdadeira face dos monstruosos, que se mostram mais humanos que seus vizinhos de cima.

Com o choque natural deixado de lado, podemos destrinchar as personalidades distintas sem nos preocuparmos com as aparências , o que se mostra extremamente valoroso para a trama, já que nos apaixonamos perdidamente pelas criaturinhas. Repletos de uma ingenuidade latente, os trolls são colocados no cerne da trama, trazendo valores poderosos que se perpetuam pela obra. Eles são gentis, criativos, amorosos e bastante covardes, mas trazem uma preocupação paternal, mostrando o real significado de família, que falta aos adultos da obra. Peixe (Dee Bradley Baker) e Chulé (Steven Blum) são ótimos exemplos disso, com tantas diferenças entre si eles conseguem se unir e mostrar todo seu carinho por Ovo.

Ovo consegue trazer o melhor entre os dois mundos, sendo o único na trama a ser capaz de sair daquilo que lhe foi imposto. Com uma capacidade natural de mudar, o protagonista enxerga mais do que aqueles que estão ao seu redor, o que desperta sua vontade de retirar o status quo que todos tentem manter. A dublagem de Isaac traz todo carisma, coragem e determinação que o personagem necessitava, despertando nossa empatia enquanto seguimos sua jornada.

O mesmo podemos falar da personagem de Fanning, que se mostra decidida e um tanto assustadora com seus interesses macabros. Winnie traz um ótimo equilíbrio para o protagonista, complementando aquilo que lhe falta e tendo seu próprios enredo para contar, criando um ótimo paralelo ao tentar chamar a atenção do pai, que se mostra mais preocupado com seu status do que em passar algum tempo com a filha.

Na equipe dos vilões temos os magníficos Sr. Truta (Nick Frost) e Sr. Pickles (Richard Ayoaed), que trazem ótimos dilemas morais sobre aquilo que estão fazendo. Junto com o psicótico Sr. Rude (Tracy Morgan), eles trazem o alívio cômico da trama com personas tão bem construída que desejamos mais de sua presença em tela.

Já o vilão da trama é um show a parte. Ben Kingsley consegue entregar tudo aquilo que o personagem necessita, trazendo uma atuação excelente, que constrói camadas e tonalidades vocais dispostas a agregar, e muito, aquilo que foi construído para si. Demostrando todo seu desejo destrutivo em ser aceito entre os poderosos, o personagem embarca em uma jornada sem retorno para algo que é, claramente, penoso e doloroso para ele. Arquibaldo Surrupião parece uma caricatura daquilo que deseja ser, copiando em trapos as roupas da elite e se forcando a ultrapassar seus limites para ter os mesmos costumes que eles. Ele manipula, coroe e distorce tudo ao seu alcance para conseguir seu objetivo, sem se importar com quem será destruído em seu caminho, trazendo uma ironia por ter uma reação tão adversa àquilo que mais deseja.

Embora ainda caia em situações clichês, Os Boxtrolls traz críticas poderosas e não tem medo em mergulhar no sombrio para contar sua história. Apresentando toda hipocrisia ao redor do mundo civilizado, o longa apresenta uma fábula moderna que promete agradar tanto a crianças quanto adultos, enquanto nos convida a sair de nossas próprias caixas e encarar o mundo por outra perspectiva. E, acredite, o resultado é maravilhoso.

 

Preso em um espaço temporal, e determinado a conseguir o meu diploma no curso de Publicidade decidi interagir com o grande público e conseguir o máximo de informações para minhas pesquisas recentes além, é claro, de falar das coisas que mais gosto no mundo de uma maneira despreocupada e divertida. Ainda me pergunto se isso é a vida real ou apenas uma fantasia e como posso tomar meu destino nas minhas mãos antes que seja tarde demais...

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