Crítica | Pearl

Nota
5

Em 1918, uma jovem se mantém presa na fazenda de sua família, Pearl (Mia Goth) guarda para si algumas ambições. Com o sonho de se tornar uma grande estrela de cinema, a jovem que sempre viveu no interior ama dançar escondida no seu quarto ou no celeiro escondido da sua mãe, Ruth (Tandi Wright). Mas sua rotina na fazenda não a ajuda a tornar o seu sonho realidade, especialmente por conta da sua mãe, que é muito controladora, e a reprime a qualquer coisa que ela faz fora dos seus trabalhos domésticos, e por isso uma das suas únicas formas de consolo é matar os bichos para alimentar sua amiga crocodilo que vive num riacho da propriedade. Enquanto cuida do seu pai inválido, Pearl também espera notícias sobre o seu futuro marido, que foi lutar na guerra, e pode ser uma ponta de esperança para ela se ver livre da sua família. Enquanto isso, o mundo vive uma epidemia de gripe espanhola, o que acaba sendo mais um motivo de sua mãe a prender dentro de casa, embora ela consiga escapar de vez em quando para ir ao cinema, já que ela precisa ir até a cidade vez ou outra para comprar os remédios de seu pai. É em uma dessas idas à cidade que o seu destino irá começar a mudar, quando ela conhece um Projetista de Cinema (David Corenswet), que irá fazê-la ter diversos desejos que podem acabar saindo do controle. A história de origem da vilã da saga iniciada por X (2022), do diretor Ti West, Pearl é o segundo filme da trilogia, sendo considerado por muitos como o melhor filme da série.

Produzindo filmes de terror desde 2001, o diretor Ti West apostou na Trilogia X, iniciada em X, como uma forma de se reinventar no gênero, dessa vez com filmes inteiramente focados no gênero slasher, onde Pearl acaba sendo o que mais bebe das referências do slasher clássico, beirando o camp onde o filme está repleto de referências de filmes trash dos anos 80, mas sobretudo com um refinamento estético que permite que o filme não se torne de fato um filme trash. Produzido pela A24, o longa protagonizado por Mia Goth, veio para consolidar a atriz como uma “musa” do terror moderno. Mia, que já havia tido um papel de destaque no remake de Suspiria (2018), agora está em evidência como Pearl, revivendo a personagem após X. Mas esse prequel só de fato conseguiu sair do papel após a incrível parceria de Ti West com a própria Mia Goth, que tem um papel importantíssimo na construção do longa por participar do roteiro. Como roteirista de sua própria personagem, podemos ver como fica evidente a sua conexão com a mesma, que flui muito bem durante o longa, um ótimo exemplo dessa conexão de Mia com Pearl, é na sequência de dança, que é um dos climax do filme, onde a atriz coreografou a apresentação de Pearl, deixando inclusive a sequência mais realista com a própria capacidade da personagem. 

Falando de conexão com os personagens, Pearl sai na frente de X por apresentar menos personagens, fazendo com o que o desenvolvimento deles seja mais aprofundado, o que faz sentido com a progressão dos filmes, visto que X não precisava nos introduzir o contexto de nenhum de seus personagens, incluindo da Maxine, visto que a personagem ganha seu filme solo posteriormente. Mas a “falta” de desenvolvimento dos personagens em X é que faz Pearl brilhar, visto que tendo o contexto de quem de fato era a velhinha de X que alguns dos mistérios do primeiro filme são resolvidos. Mas para muito além disso, é muito interessante ver como os fatores de onde a personagem vive que moldaram o seu contexto psicopata, onde fazendo o contraponto com a sua própria mãe, a discussão que é criada em torno da Pearl não querer desapontar sua mãe, e ao mesmo tempo não suportando ela e querer fugir de onde ela mora, até chegar no fim onde temos o contexto do papel do Howard (Alistair Sewell), acaba tornando a personagem mais entendível, o que não significa que suas atitudes são justificáveis.

Não tem como falar de Pearl sem exaltar a atuação de Mia Goth, que está espetacular como a protagonista. A atriz consegue evoluir bem a insanidade da personagem, que desde o início está lá, mas que consegue ser progressivo, acompanhando bem o ritmo do roteiro sem grandes extrapolações desnecessárias. Pearl é de fato um papel muito complexo e difícil, já que, apesar de não ser a típica garota bonita de interior como em filmes clássicos, ela precisa reunir um carisma e uma ingenuidade que não brigue com a sua própria insanidade, então o que Mia Goth faz é justamente ir trocando aos poucos a sua ingenuidade pela sagacidade de uma psicopata que constrói a personalidade da Pearl. Outro destaque é sem dúvida a interpretação de Tandi Wright, que tem uma performance louvável  como Ruth, a mãe de Pearl, que nos faz odiá-la assim que ela entra em cena. Uma questão que enriqueceu muito a personagem foi justamente as passagens em que ela fala em alemão, que complementam bem não só o seu contexto com o seu passado, mas também por trazer uma frieza a mais na personagem. Mas quem é a grande surpresa é de um personagem que nem sequer ganhou um nome. Matthew Sunderland, que dá vida ao pai inválido de Pearl, tem uma grande reviravolta ao recompor a certo ponto a sua consciência. O personagem que é apático desde o início surpreende justamente por começar a reagir após o início dos atos sangrentos de Pearl, e assim como Mia, ele constrói no pouco tempo que tem o suficiente para termos mais dimensões ao personagem, que até o momento parecia ser apenas um personagem sem tamanha importância.

Com uma estética e atuações sem igual, Pearl se consagrou como um novo clássico camp do terror atual. Pearl se destaca não apenas como um prequel de X, mas como uma obra independente que se aprofunda na personagem misteriosa do primeiro filme, resultando em uma experiência envolvente e cheia de referências ao terror clássico. Com a direção de Ti West e roteiro com uma parceria sua com Mia Goth, o filme dá tão certo justamente por saber de onde está referenciando, tendo clássicos do cinema como O Mágico de Oz (1939), que é percebido nos detalhes e na sua estética, duramente inspirada no Technicolor dos anos 40, mas também por se inspirar em clássicos do gênero slasher do terror dos anos 70 e 80, mas sem parecer muito com os filmes trash de orçamento baixo. Em parceria com Eliot Rockett, o diretor reinventa a sua fotografia com um olhar também mais clássico, dessa vez usando bastante das angulações e do zoom mecânico parar criar as tensões desejadas, sem a necessidade de sustos como um artifício para dar o suspense que o filme precisa ter. O filme é um deleite para os fãs do gênero de terror, já que Pearl explora bem questões da psique humana, ao mesmo tempo que entrega um ótimo entretenimento ao fazer uma celebração do gênero slasher, criando assim também um interesse do público de revisitar obras do passado que possuem a mesma pegada.

 

Ilustradora, Designer de Moda, Criadora de conteúdo e Drag Queen.

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