Nota
“Você nunca me viu escrevendo […] Eu me transformo numa pessoa diferente.”
Mary Morrison é uma bem-sucedida autora de romances de suspense, que vive um feliz casamento com seu marido Tom e uma feliz rotina com seus filhos. Quando seu editor entra em contato, pedindo que ela escreva mais um livro de sua série de livros de maior sucesso e oferecendo um adiantamento de dois milhões de dólares, Mary se vê numa situação sem escolhas, já que Tom tinha acabado de perder metade do patrimônio do casal em um jogo de apostas. Precisando de ajuda para ter um tempo e trabalhar em casa, Mary acaba seguindo o conselho de sua melhor amiga, Elaine, e contata uma muito bem conceituada agência de babás, para que tenha alguém para cuidar de seus filhos e sua casa enquanto ela imergia em seu novo livro, o que a leva para uma série de entrevistas ruins até o momento que ela conhece Grace, a candidata perfeita, que rapidamente se encaixa na vida de Mary e acaba construindo uma amizade com a mulher que a motiva cada vez mais em seu livro, mas nem tudo é tão perfeito nessa relação.
Lançado pela Netflix em 18 de março de 2021, o longa dirigido e roteirizado por Anna Elizabeth James vai fundo no conceito de suspense psicológico ao ponto de se tornar um suspense erótico, criando uma premissa que garantiu que o filme logo se tornasse um dos mais assistido na plataforma de streaming em seu primeiro fim de semana. O longa começa sua imersão com sua introdução, uma brilhante montagem de F. Brian Scofield, que nos apresenta um mar calmo, inicialmente enevoado, que vai se transformando numa atmosfera mais revoltosa, com suas ondas acertando as rochas, e transita até uma livraria cheia de calmaria, onde vemos um livro da protagonista sendo um sucesso de vendas, uma cena que rapidamente é cortada para um close no liquidificador de Mary ligado a todo vapor, uma sequência mágica, que ao som da trilha de Drum & Lace parece deixar claro uma sensação de inquietação, uma construção metafórica que, ao fim do longa, percebemos ser uma clara referência à intenção roteiristica do filme.
Protagonizado por Kristin Davis, o longa parece ter grandes chances de se tornar um sucesso, revelando toda a competência técnica da equipe por trás do filme e representando um novo lado do suspense erótico, mas tudo acaba nos levando a uma enorme decepção. A Mary de Kristin é confusa, nunca sabemos ao certo o que ela está vivendo, algo que se complica pelo excesso de cortes abruptos em certas cenas de tensão, cenas que deveriam nos deixar curiosos para entender o que realmente aconteceu ali se tornam rapidamente cenas completamente confusas, que não sabem construir verdadeiramente o mistério por trás da história. A Grace de Greer Grammer é complexa, cheia de camadas e inspirada num envolvente caso real, mas ela fica muito solta dentro do roteiro, temos suas cenas muito abertas, ao ponto que, perto do ápice do filme, temos diversas explicações que pedem informações adicionais para se conectar com as perguntas que criamos no decorrer do longa, e no final do filme deixam uma cena que tinha um potencial indescritível mas se conecta a um evento muito mal executado do meio do longa que, combinado com a cena final, transforma a conclusão em um ato decepcionante. Margaret, personagem que tinha tudo para se tornar o grande plot do filme, acaba ficando apagada pela construção do longa, ela é capaz de roubar a cena, mas precisa de uma cena decente para roubar.
Por Trás da Inocência pode até parecer um daqueles filmes que traz alguma migalha de ingenuidade, mas a forma como o enredo é desenvolvido acaba deixando uma impressão de que a equipe por trás da produção não tem muita noção de como lidar com a linguagem do cinema. O filme tem uma premissa arrebatadora, que nos leva a sentir como se estivéssemos em um trem bala prestes a partir e logo depois num engarrafamento angustiante, onde temos uma trama pronta para decolar mas uma construção que nos prende numa lentidão desnecessária. Fica claro o quanto a diretora buscou uma ambiguidade entre a beleza de Grace, sua personalidade sedutora e sua aparência psicologicamente infantil, mesmo que ela lute para fugir da carga sexual do filme (que deveria ser o maior artificio do filme de acordo com seu enredo), o que prejudica bastante a dualidade que existe entre a mulher perigosa que seduz Mary e Tom e a moça infantil que brinca com os gêmeos como se fossem iguais.
Icaro Augusto
Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.