Crítica | Queer

Nota
4.5

Na cidade do México, na década de 50, um americano, William Lee (Daniel Craig), está vivendo fora de seu país em uma vila com vários outros americanos. Após alguns anos levando uma vida boêmia, Lee, que pula de romances em romances casuais, fica obcecado por um jovem estudante que surge na sua vila. Apesar de dias tentando conhecê-lo melhor, Lee não consegue descobrir se o jovem Eugene (Drew Starkey) é gay ou não, que o leva a criar uma obsessão pelo rapaz. Em meio a suas tentativas de descobrir a sexualidade da sua nova paixão, William Lee vai criar um certo interesse sobre uma pesquisa de uma planta indígena descoberta na América do Sul que aparenta ter propriedades telepáticas. Queer é a nova obra do diretor  Luca Guadagnino, baseada no livro de mesmo nome do autor William S. Burroughs, e inspirado em Adelbert Lewis Marker, um ex-militar da Marinha dos Estados Unidos, explorando a temática de solidão de um homem gay no contexto do pós-guerra, com a estética boêmia da cidade do México.

Após o sucesso de Rivais (2024), Luca Guadagnino lança seu segundo filme do ano, dessa vez com Daniel Craig estrelando em mais um romance gay feito pelo diretor. Guadagnino, que ficou conhecido internacionalmente pelo aclamado Call me by your name (2017), que também foi baseado em um livro, traz em sua nova obra, Queer, poucas similaridades em termos de estética, que ambos os filmes dividem. Enquanto Call me by your name é um romance que traz toda a ambientação bucólica da vida do adolescente Elio na Itália, Queer traz uma versão mais amadurecida dessa ambientação romantizada, agora ambientada na cidade do México, com muito mais sensualidade, mas ainda assim em uma atmosfera romântica e idealizada. A medida que o longa vai chegando até o terceiro ato, tendo o segundo ato como um grande momento de transição entre os dois atos importantíssimos, o filme se distancia por completo da estética de Call me by your name e chega de uma forma surpreendente a criar referências de outra obra do mesmo diretor, Suspiria (2018). Apesar de ser um filme de terror que se passa em Berlim, Suspiria tem sua ambientação inteira em uma companhia de dança, onde a dança é o instrumento principal para a magia que se passa no mundo do filme, e essa corporeidade do filme é muito bem incorporada na obra recente do diretor que claramente pega elementos de coreografias que ao mesmo tempo são lindas, mas ainda sim com um aspecto mais sombrio e assustador. 

Queer, à primeira vista, é apenas um romance entre os personagens Lee e Eugene, mas o filme consegue introduzir diversos temas que vão se construindo aos poucos até o seu final. Mesmo sendo uma adaptação de um livro já existente, o longa é sem dúvidas uma obra de Guadagnino, que além de se referenciar ao conduzir todo o roteiro baseado em suas obras anteriores, dessa vez entrega um filme muito mais poético, inclusive em cenas sexuais que, apesar de serem bem explícitas, se mantém ao conceito estético do filme e da sua ambientação, e ainda assim com vários pontos que ficam nas entrelinhas. Não apenas por ser o personagem principal, mas Daniel Craig está incrível como William Lee, entregando humor quando necessário, mas também nos momentos difíceis do personagem, já que o Lee não é um personagem simples e literal, ele lida com diversas questões internas que mostram-se desde o começo, não só uma pessoa muito solitária, mas também com diversas questões mal resolvidas consigo mesmo, e o Daniel consegue transmitir isso muito bem e ir construindo essas questões mal resolvidas para serem descobertas ao longo que a trama vai seguindo. Já o Drew Starkey entrega exatamente o que o seu personagem se propõe a ser, sem nada muito extraordinário, sendo de fato o estudante misterioso que atrai demais o Lee, entregando também esse mistério ao espectador, já que em nenhum momento sabemos de fato o que se passa na sua cabeça, trazendo ainda mais significado a busca do Lee de desvendar o que ele está pensando.

Tecnicamente, Queer também surpreende na utilização de computação gráfica em diversos momentos, que não é um feito que o diretor Luca Guadagnino é muito conhecido em fazer, mas em que alguns momentos é satisfatória, podendo ter um certo refinamento a mais, mas em outros é de fato surpreendente. Outro fator que surpreende é a trilha sonora, o que não choca após o excelente trabalho de som e trilha sonora em Rivais, que inclusive rendeu ao filme uma indicação ao Globo de Ouro de 2025, mas ao contrário de Rivais, Queer traz as mesclas de músicas mais atuais para o contexto de 1950, como a banda Nirvana que tem sequências de músicas que combinam bastante com os personagens. O roteiro ficou por conta de Justin Kuritzkes, que também roteirizou Rivais, e por isso fica evidente algumas semelhanças entre os dois filmes em termos das tensões entre os personagens e como são lidados alguns conflitos, o que na verdade é bem positivo, mas que talvez faltou um pouco mais da tensão entre personagens como acontece no primeiro filme de Justin, o que agregaria mais para a química e interação entre eles, mas que no fim se mostra de fato como um filme mais romântico que Rivais, embora seja um filme também bem mais explícito e sexual.

Após Rivais, o diretor Luca Guadagnino lança um projeto ainda mais sexual com Queer, trazendo um romance gay estrelado por Daniel Craig. Aguardado por muitos nas redes sociais, o polêmico Queer está dividindo bastante as opiniões em festivais de cinema por ser um tanto disruptivo, mas conversa muito bem com a trajetória do diretor que mescla muito bem referências românticas com sua experiência com o terror mais conceitual. Estendendo também o trabalho impecável em trilha sonora e som que foi feito em Rivais, Guadagnino mescla muito bem o contemporâneo com as ruas da cidade do México de 1950. Com o destaque principal na atuação de Daniel Craig, o ator consegue transmitir muito bem a complexidade do seu personagem com diversas questões mal resolvidas, visto que ser gay em 1950 não era fácil, mas também por abordar questões internas do personagem que vão muito além disso, e sobretudo conciliar muito bem a mistura entre um personagem muitas vezes bem humorado com o seu temperamento bipolar e solitário, que inclusive já rendeu ao ator uma indicação ao Globo de Ouro 2025.

 

Ilustradora, Designer de Moda, Criadora de conteúdo e Drag Queen.

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