Crítica | Rede de Intrigas (Network)

Nota
5

Na década de 70, os Estados Unidos se viram no centro da mídia, num período intensamente potencializado por escândalos políticos e socioeconômicos, como a Guerra do Vietnã e o Caso Watergate – que levou à renúncia do então presidente Richard Nixon. Dentro desse contexto, enquanto uma parte da indústria cinematográfica cria válvulas de escape para o momento, Sidney Lumet transforma “Rede de Intrigas” na personificação da época, através de um grupo de jornalistas capaz de tudo por uma boa manchete, em nome de uma excitação ilusória capitalista.

Logo no início, somos introduzidos ao cotidiano dos bastidores de programas televisivos e da obsessão no lucro acima de tudo. Nesse sentido, Lumet critica a falta de ética em alguns meios jornalísticos e faz paralelos com o “mundo real”. Afinal, quantos “entretenimentos” não usam e abusam de fórmulas sensacionalistas para lucrar e obter audiência de maneiras duvidosas? Não é fácil se desprender da realidade quando vemos um problema real na ficção, principalmente sob a figura cabulosa do âncora Howard Beale.

Força motriz da trama, Peter Finch constrói um Beale amargurado pelas adversidades da vida. Recém-viúvo e sem herdeiros, se vê perto de uma aposentadoria forçada e prestes a cair no ostracismo. Por meio desse aspecto, o roteiro consegue dialogar com tipos iguais ao referido personagem, mergulhado numa hecatombe de sentimentos. Aqui, o medo do esquecimento e o prazer de criar intrigas na mídia falam mais alto e elevam o jornalista a um nível que nem o próprio reconhece, permitindo que o prestígio de uma era não tão distante não desapareça no ar.

Depois de anunciar o seu suicídio na despedida do programa, tudo muda. De uma aparente personalidade passiva a uma bomba à beira da explosão, Beale radicaliza não só o próprio destino, mas da emissora e de seus companheiros de trabalho também. De repente, a audiência quase zerada estoura. A mensagem é clara: o âncora deu o que seus “súditos” queriam – um sensacionalismo barato ao vivo, nada muito diferente do que vemos nos dias atuais. Cada vez mais lunático e obcecado, o comunicador se torna um tipo incontrolável, passando por cima de tudo e todos.

Em meio a tudo isso, Lumet busca um diálogo com a realidade, apesar de usar algumas artimanhas complexas para atingir seu objetivo. Ao mesmo tempo que Beale alavanca os índices do jornal, representa uma ameaça justamente pelas atitudes insanas que toma em frente às câmeras. Quando as figuras de Frank Hackett e Diana Christensen surgem, isso aumenta ainda mais, principalmente no momento em que se tornam os representantes da “imprensa marrom”, alcunha do jornalismo sensacionalista, e nada fazem para controlar o ego do apresentador.

Nesse parâmetro, a simbiose entre os perfis se estreita a ponto de criar uma atmosfera mais pessimista, envolvida em planos aos quais somente o público tem acesso. Nada parece ter solução se não passar pelo crivo da desonestidade, ainda que isso custe muito caro. A ética jornalista aparenta não ter voz, tornando-se um reflexo das próprias relações sociais.

Além disso, a presença de tramas coadjuvantes não afeta a fluidez do roteiro, mesmo que fujam um pouco do eixo central – seja a crise no casamento de Max, seja o seu caso com Diana. São exemplos que servem como reflexo de suas próprias atitudes e destacam ainda mais suas personalidades, pois tudo ali é regado às aparências e não sobra espaço para a integridade. Tipos que podem facilmente cair numa caricatura e destoar de tudo, mas a genialidade do roteiro não permite que isso aconteça, realizando um verdadeiro espiral em que tudo se conecta com facilidade.

Toda essa construção é possível graças a um elenco extremamente afiado e em sintonia. Peter Finch e Faye Dunaway saíram vitoriosos no Oscar pelas suas atuações. Enquanto vemos um explosivo Finch em cena, embora contido em certos momentos, percebemos em Faye uma figura observadora, como uma felina prestes a abocanhar sua vítima. São exemplos de performances que falam com o olhar, sempre acompanhadas de uma trilha sonora que envolve o espectador nas suas maracutaias. Não atrás de seus colegas, Robert Duvall e William Holden se destacam e crescem no enredo, apesar de suas funções serem quase ofuscadas pelos outros. Um grande núcleo numa preciosidade em forma de filme.

Mais de 40 anos depois, “Rede de Intrigas” ainda é encarado como um “exagero”, mas a cada revisão se torna mais atual do que nunca. Basta ligarmos a televisão e sermos bombardeados por uma indústria que coloca o capitalismo acima de vidas humanas, na qual a ética não tem vez. Uma obra-prima que preza pelo texto contundente, numa acidez que tira o fôlego do espectador. Vai além da simples premissa de fazer um recorte social e toca na ferida, criticando abertamente a raiz do problema sem medo de equívocos. Irretocável.

“O mundo é um negócio. Tem sido assim desde que saímos das cavernas.”

 

Apenas um rapaz latino-americano apaixonado por tudo que o mundo da arte - especialmente o cinema - propõe ao seu público.

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