Crítica | Rocketman

Nota
2

De cinebiografia musical biográfica formulaica e superficial já bastou Bohemian Rhapsody, sucesso comercial de 2018 que curiosamente também agradou bastante os membros da Academia de Hollywood, emplacando incompreensíveis quatro estatuetas no Oscar 2019. Enquanto a história de Freddie Mercury e do Queen estava saindo, no entanto, surgia também Rocketman, sobre a vida de Elton John, com a direção de Dexter Fletcher (que finalizou Bohemian após a saída escandalosa de Brian Singer). E, apesar de ambos os filmes não terem diretamente a mesma mão na condução do resultado, compartilham não só muitos problemas mas uma espécie de síndrome de momento também: “vamos apostar na música que dá certo”. Nem sempre.

Rocketman traz duas vantagens das quais nem sequer tira bom proveito: a primeira é que Taron Egerton, no papel de Elton John, de fato canta e muito bem; a segunda é o conceito menos “chapa-branca”, ou seja, mostra-se com veemência os importantes conflitos da vida do personagem principal, tanto sua homossexualidade quanto seus problemas com drogas. No que diz respeito às canções, o filme até instiga no começo com seus chavões musicais assumidamente fantasiosos que surgem com certa irreverência. Mas, aos poucos, não apenas os números ficam repetitivos – dando paulatinamente a impressão de que estão ali só pra não ficarem de fora – como interrompem reticências dramáticas importantes na trama, artificializando toda e qualquer emoção que as cenas deveriam transmitir.

Já na esfera temática, o filme segue batidas previsíveis e primárias num processo de eterno espalhafato. A tão comentada cena de sexo gay – a primeira em uma produção de grande estúdio – é um excelente exemplo dessa esterilidade; filmada sem inspiração, sentimento ou até a assumida falta dele. E toda a parte das drogas é tão autoindulgente e irritante que o saldo do terceiro ato não é outro senão a exaustão.

Egerton encarna bem os trejeitos extravagantes de Elton John e convence tranquilamente como um cantor desse calibre e carisma. Acaba se saindo muito melhor, na verdade, quando a direção de Fletcher abandona aquela obrigação meio farofeira de homenagear o exagero de Elton (que os fãs querem ver). No processo, o ator e a direção conseguem tirar ao menos duas cenas genuinamente tocantes, como aquela em que ele vai visitar o pai, que já está com outra esposa com quem já tem dois filhos pequenos. Já em cenas mais voltadas para a fantasia – que no começo pareciam ser tão interessantes – ele não se entrega totalmente à canastrice.

Apesar da caracterização ser inegavelmente admirável, é difícil comprar até mesmo as tentativas de arco em um roteiro que, quando não é óbvio, é uma bagunça completa, tanto nas tentativas melodramáticas em estabelecer um conflito existencial ao Elton quanto na ascensão profissional dele. O processo criativo nunca foi exatamente o mote de Rocketman, mas não custava nada estabelecer um assunto e segui-lo até o fim sem precisar cair em lugares tão comuns.

Ao final, todas as ideias boas que Rocketman tenta incorporar são sufocadas por esse festival de pirotecnia que insiste em dar tapinhas nas próprias costas, usando a cafonice e extravagância do seu protagonista para justificar suas próprias limitações dramáticas.

 

De Recife (PE), Jornalista, leonino típico, cinéfilo doutrinador.

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