Crítica | Super/Man: A História de Christopher Reeve (Super/Man: The Christopher Reeve Story)

Nota
5

A história de um homem que se tornou um símbolo, não apenas de heroísmo nas telas, mas de resiliência e superação fora delas, é algo que ressoa profundamente. Ele era um ícone antes do acidente, mas foi no momento de maior vulnerabilidade que sua verdadeira força foi revelada ao mundo. Essa trajetória, ao mesmo tempo épica e comovente, reflete não apenas a vida de um ator, mas de um ser humano que enfrentou adversidades quase intransponíveis com coragem. O documentário explora essa dualidade entre o mito e o homem de forma impactante e inspiradora, criando uma obra que é, ao mesmo tempo, grandiosa e intimista.

Super/Man: A História de Christopher Reeve transcende a mera narrativa biográfica e mergulha em um relato sobre a condição humana, a luta pela sobrevivência e a busca por um propósito maior. O filme equilibra, de maneira hábil, o brilho de Reeve como o Superman nas telas e o peso emocional da jornada que ele enfrentou após o acidente que o deixou paralisado do pescoço para baixo. O documentário constrói uma perspectiva muito mais complexa de Reeve, destacando não apenas os momentos de triunfo, mas também suas falhas, medos e frustrações. Ao contrário de outros documentários que romantizam seus personagens, este opta por um retrato mais nuançado, permitindo que o espectador veja Reeve como um homem real, com desafios internos e externos.

A narrativa percorre dois pontos cruciais da vida de Reeve: sua ascensão meteórica à fama como o Superman definitivo e o trágico acidente que o forçou a reescrever sua própria história. O documentário não foge dos desafios que ele enfrentou, incluindo a aceitação de sua nova realidade e as dificuldades em lidar com a dependência física e emocional após o acidente. Aqui, a obra toca em um ponto crucial: como transformar a dor pessoal em uma plataforma para mudanças sociais. Reeve não se acomodou em sua posição de ícone debilitado; ele utilizou sua fama para lutar pelos direitos das pessoas com deficiência, criando uma fundação que continua a impactar milhares de vidas. O filme nos convida a refletir sobre a importância do papel da fama quando ela é usada para causas altruístas, e como Reeve fez dessa missão a sua verdadeira identidade nos anos que se seguiram ao seu acidente.

Esse aspecto social é destacado com clareza no filme. A Fundação Christopher e Dana Reeve, fundada em 2002, foi um marco na pesquisa de lesões na medula espinhal e na advocacia pelos direitos das pessoas com deficiência. O documentário expõe como o trabalho incansável de Reeve e sua esposa foi essencial para avanços médicos e para dar voz a uma comunidade muitas vezes ignorada. Não se trata apenas de ciência, mas de humanidade. A transformação de Reeve de ator para ativista é apresentada de forma a demonstrar a profundidade de seu compromisso com essa causa, trazendo ao público a compreensão de que, apesar de suas limitações físicas, ele nunca deixou de lutar pelo amanhã. Além disso, o filme também revela como o envolvimento de Dana Reeve foi fundamental, não apenas no apoio a Christopher, mas como uma voz ativa que perpetuou o trabalho do marido mesmo após sua morte. Dana, que faleceu de câncer menos de dois anos após Reeve, também é homenageada de forma tocante, mostrando como a luta deles não era apenas uma batalha pessoal, mas algo muito maior, que influenciaria gerações futuras.

Outro aspecto poderoso da obra é a relação de Reeve com sua família, especialmente com sua esposa Dana, que foi sua maior apoiadora após o acidente. O filme traz à tona a importância dos familiares no processo de reabilitação e adaptação de uma pessoa com deficiência, abordando de maneira sensível e realista os desafios emocionais que essa situação impõe. Dana não apenas se tornou o alicerce de Reeve, mas também uma voz ativa na luta pelos direitos das pessoas com paralisia. O documentário é hábil em capturar a simbiose dessa relação, mostrando como o amor, a dedicação e a resiliência de Dana foram essenciais para o fortalecimento de Reeve, tanto física quanto emocionalmente. A obra não deixa de abordar o impacto que o acidente teve sobre os filhos do casal, revelando como os laços familiares foram fundamentais para superar a tragédia. Ver os filhos de Reeve, agora adultos, refletindo sobre o legado do pai, é uma das partes mais emocionantes da narrativa.

Não se pode esquecer o lado mais sombrio da trajetória de Reeve. O filme aborda sua ambivalência em relação ao papel que o consagrou mundialmente, o Superman. Se, por um lado, o personagem lhe deu fama e oportunidades, por outro, também o aprisionou em uma imagem que ele, por vezes, queria superar. Reeve buscou se provar em outros papéis, mas sempre foi puxado de volta ao manto vermelho do herói. Após o acidente, o Superman se transformou em um fardo metafórico, com o mundo esperando que ele se erguesse de sua própria criptonita. Esse conflito interno é um dos elementos mais fascinantes do filme, que não se esquiva de mostrar as fragilidades e insatisfações de Reeve, mesmo enquanto ele lutava para ser um exemplo de superação. O filme também destaca como ele lidou com a pressão pública e como, ao longo do tempo, Reeve soube transformar essa expectativa em combustível para suas batalhas pessoais e sociais, equilibrando a imagem de ícone com a de homem vulnerável.

Além da luta pessoal e familiar, há uma crítica ao descaso do sistema de saúde com pessoas em situações de vulnerabilidade física. O filme se permite discutir como o Estado, por vezes, negligencia os mais frágeis, deixando a carga do cuidado para as famílias ou, no caso de Reeve, para os próprios ativistas. Mesmo sendo um homem de recursos, Reeve enfrentou inúmeras barreiras na busca por tratamentos e apoio. E é justamente nesse ponto que ele se diferenciou de tantos outros: ao invés de recuar, usou sua visibilidade para iluminar as falhas do sistema e lutar por mudanças concretas. O documentário, então, traz à tona questões que ultrapassam o individual e se tornam discussões sobre a sociedade como um todo, abordando as falhas de um sistema que não prioriza aqueles que mais precisam.

Por fim, Super/Man: A História de Christopher Reeve nos deixa com uma mensagem clara de esperança, mas também de responsabilidade. O filme nos desafia a olhar além do mito e reconhecer o homem imperfeito, mas profundamente corajoso, que dedicou seus últimos anos a lutar não apenas por si mesmo, mas por todos aqueles que vivem à margem. Com um equilíbrio entre dor e superação, heroísmo e fragilidade, a obra celebra o legado de Reeve não apenas como o Superman dos filmes, mas como um verdadeiro herói da vida real. Ao final, fica claro que sua maior batalha foi travada fora das telas, e sua maior vitória foi inspirar gerações a lutarem por um mundo mais inclusivo e justo.

 

Pernambucano, jogador de RPG, pesquisador nas áreas de gênero, diversidade e bioética, comentarista no X, fã incontestável de Junji Ito e Naoki Urasawa. Ah, também sou advogado e me arrisco como crítico nas horas vagas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *