Crítica | Tatuagem

Nota
4.5

“O Moulin Rouge do subúrbio, a Broadway dos pobres, o Estúdio 54 da favela… Bem-vindos ao Chão de Estrelas!”

Em pleno Brasil do ano de 1978Clécio Wanderley lidera o Chão de Estrelas, um grupo de artistas que provoca a moral e os bons costumes pregado pela ditadura militar, se apresentando num cabaré localizado em Recife, o grupo está sempre realizando espetáculos de resistência politica com muito deboche, anarquia e subversão. Em outra cidade vive o soldado Arlindo Araújo, conhecido como Fininha, que acaba indo ao cabaré para entregar uma carta de sua namorada, Jandira, a seu cunhado, Paulo Batista, que atua no Chão de Estrelas sob o nome de Paulete, o que o faz conhecer Clécio, um encontro que surge de uma forma inesperada e acaba mudando completamente a vida do artista.

Escrito e dirigido por Hilton LacerdaTatuagem mostra o encontro de dois mundos completamente opostos, de um lado temos o mundo militar de Fininha, preenchido com a ditadura, rigidez e atrocidades, do outro temos o mundo do cabaré e da arte de Clécio e do Chão de Estrelas, com sua subversão, alegria e homossexualidade, esse grande encontro acaba mudando ainda a vida de Arlindo, que começa aos poucos a explorar sua sexualidade e entender todo o seu ser, entender os problemas que ele nunca quis encarar e, pouco a pouco, redescobrir o amor, que surge de forma súbita e a primeira vista para ambos os lados. Alindo sente uma atração repentina quando vê Clécio subir no palco para cantar, já Clécio sente algo novo no momento que encara o jovem soldado nos bastidores, e tudo isso acaba nos levando a uma relação inesperada, até para eles, fora do comum, pela forma clara como vemos que eles pertencem a mundos que nunca poderiam se convergir de outra forma, e forte, marcando a vida dos personagens e telespectadores de forma permanente, como se fosse uma tatuagem.

Ainda no inicio de sua carreira, e em seu primeiro papel protagonista, Jesuíta Barbosa surge com um dificil papel ao encarnar Arlindo, ele é um soldado de 18 anos, descobrindo suas experiências de vida, descobrindo quem realmente é, se entregando completamente aos ensinamentos de um vivido artistas de pouco mais de 30 anos, mas o grande desafio de seu papel é o fato de ele não ser o que mais muda durante a evolução do enredo, ele acaba mudando muito mais o ambiente que se insere do que realmente sendo mudado, fica claro o quanto Fininha se sente mais livre dentro do mundo de Clécio e o quanto ele consegue mudar a visão do artista, assim como fica claro o quanto ele mudou depois que começou a ver quem realmente é. A contraparte protagonista fica a cargo de Irandhir Santos, ele quebra completamente o paradigma do preconceito quando passa a ser reprimido por aqueles ao seu redor por estar se envolvendo com um soldado, num ambiente onde todos odeiam a ditadura, não é o homossexualismo que é reprimido nesse grupo, mas o fato de Fininha ser uma agente da ditadura, o ator tem a dura missão de descontruir seu personagem, de representar um preconceito incomum de ser observado, muito mais politizado e muito menos estigmatizado pela diversidade sexual, o que quebra completamente o primeiro ímpeto do espectador de enxergar a relação homossexual como a temática do longa, nos levando a enxergar além das camadas mais superficiais e ver um ‘Romeu e Julieta’ politico.

Indo mais fundo no tema da ditadura, que apesar de estar desgastada ainda exercia sua força através da brutalidade, Tatuagem explana sobre as transformações comportamentais que são geradas de uma ideia revolucionária, sobre a libertação do corpo e sua transformação em arma de resistências artística e política. Não é a toa que o filme ganhou os Kikitos de Melhor Filme e Melhor Trilha Musical no Festival de Gramado, além de ter garantido o Kikito de Melhor Ator para Irandhir Santos, o prêmio de Melhor Ator do Festival de Cinema do Rio para Jesuíta Barbosa e de Melhor Ator Coadjuvante para Rodrigo García (interprete de Paulete). O longa ainda garantiu, no Festival de Cinema do Rio, o Prêmio Especial do Júri, na categoria Ficção, de Melhor Longa-metragem Ficção e o Prêmio FIPRESCI de Melhor Longa Latino-Americano. O longa surge como um grande embate entre o que é conservador (de atmosfera repressiva, dura, antiquada e retrógrada) e o que é progressista (representado por uma atmosfera colorida, flexível e revolucionária), transformando a produção em um belo retrato dos conflitos da convivência entre esses dois mundos, com seu clímax poético, e um pouco romantizado, que nos leva a refletir sobre a vida de resistência em meio à tirania, mesmo a que existia em pleno 2018.

“Estamos aqui hoje para apostar na certeza do castigo e oposição ao acaso de nossos atos!
Estamos aqui hoje para estrear o fim, e inaugurar o futuro!”

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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