Crítica | Tipos de Gentileza (Kinds of Kindness)

Nota
4

Alguns filmes são como quebra-cabeças complexos, desafiando o espectador a decifrar suas camadas de significado, enquanto outros são experiências cinematográficas mais acessíveis, desenhadas para entreter e agradar um público mais amplo. Tipos de Gentileza, dirigido por Yorgos Lanthimos, definitivamente se encaixa na primeira categoria. Para aqueles que esperam encontrar algo semelhante ao aclamado Pobres Criaturas, que também traz Emma Stone como protagonista, a decepção pode ser grande. Este é um filme que não se propõe a agradar a todos, e a construção do roteiro e a direção são deliberadamente desafiadoras e muitas vezes perturbadoras.

Lanthimos retorna às suas raízes absurdistas em Tipos de Gentileza, oferecendo uma experiência cinematográfica que se distancia das convenções tradicionais. Este filme não é para aqueles que buscam uma narrativa linear ou um entretenimento escapista. Dividido em três histórias distintas, conectadas de maneira sutil por temas recorrentes e personagens enigmáticos, o filme explora a natureza humana de forma sombria e surreal. As histórias são bizarras, carregadas de simbolismo, e muitas vezes parecem se deleitar em chocar o espectador com sua brutalidade e humor negro.

O elenco, composto por nomes já familiares aos fãs de Lanthimos, como Emma Stone e Willem Dafoe (O Menino e a Garça), oferece performances que são ao mesmo tempo fascinantes e desconcertantes. No entanto, é Jesse Plemons (Guerra Civil) quem rouba a cena na maior parte do longa, entregando uma atuação que destaca sua versatilidade e talento. Plemons se torna o ponto alto do filme, navegando com maestria por suas múltiplas personagens, cada uma imersa em situações cada vez mais insanas e desumanizadoras. Sua capacidade de transmitir emoções complexas, mesmo nas situações mais absurdas, é um dos elementos que mantêm o espectador envolvido, mesmo quando o filme desafia a lógica e a razão.

A primeira história, é talvez a mais acessível das três, oferecendo uma sátira corporativa que, embora bizarra, toca em temas reconhecíveis sobre poder e submissão. Plemons interpreta Robert, um homem cuja vida é controlada em todos os aspectos por seu chefe, interpretado por Willem Dafoe. A narrativa explora o que acontece quando Robert tenta, pela primeira vez, resistir a essa tirania. É uma crítica afiada ao conformismo e à obediência cega, que provoca tanto risos quanto desconforto.

Na segunda história, Lanthimos leva o espectador a um território ainda mais perturbador. Plemons agora interpreta Daniel, um policial que começa a suspeitar que sua esposa foi substituída por uma impostora. Esta parte do filme é a mais carregada de tensão, com um crescente senso de paranoia que culmina em um final tão inesperado quanto perturbador. No entanto, apesar de seu impacto inicial, essa história parece não ter atingido todo o seu potencial, deixando o espectador com a sensação de que algo ficou por ser explorado.

A terceira e última história, é talvez a mais desconcertante de todas. Situada em um culto religioso bizarro, onde os membros são submetidos a rituais e regras inexplicáveis, essa narrativa testa os limites da paciência e da tolerância do espectador. Embora Emma Stone brilhe mais uma vez, trazendo uma intensidade impressionante à sua personagem, o segmento acaba se tornando excessivamente esotérico e desconectado, perdendo o impacto emocional que poderia ter tido.

Entendam que não é um filme que não se preocupa em agradar. Ele desafia, provoca e, por vezes, mais repele do que atrai. Sua estética crua e suas narrativas fragmentadas exigem que o espectador esteja disposto a se aventurar em um território desconfortável e, frequentemente, incompreensível. Este é um filme para aqueles que apreciam o cinema como uma forma de arte que não se limita a contar histórias, mas que também explora as profundezas da psique humana de maneira inquietante e que faz aflorar sentimentos que procuramos reprimir ou nem sabemos que existem em nós.

No final, o longa se estabelece como uma obra polarizadora. Enquanto alguns espectadores podem encontrar nele uma riqueza de temas e uma profundidade de análise, outros podem sair do cinema frustrados, confusos ou até irritados com o que viram. Também não estarão errados aqueles que o repudiarem, nada nunca foi feito para agradar a todos e a graça de toda forma de expressão artística é ver os sentimentos que sua existência consegue extrair do ser humano. Lanthimos não faz concessões e, nesse sentido, o filme é um testemunho de sua visão artística singular. Para aqueles que estão dispostos a embarcar nesta jornada, saibam que o filme oferece uma experiência cinematográfica única, ainda que perturbadora.

Em suma, Tipos de Gentileza é um retorno ao estilo mais experimental de Lanthimos, um filme que abraça o absurdo e o grotesco com uma convicção inabalável. Com atuações excepcionais e uma direção que desafia as normas, este é um filme que se destaca por sua audácia e por sua recusa em se conformar. No entanto, é preciso estar preparado para um filme que não se preocupa em ser compreendido ou amado por todos, mas que, sem dúvida, deixará uma marca indelével em quem tiver a coragem de enfrentá-lo.

 

Pernambucano, jogador de RPG, pesquisador nas áreas de gênero, diversidade e bioética, comentarista no X, fã incontestável de Junji Ito e Naoki Urasawa. Ah, também sou advogado e me arrisco como crítico nas horas vagas.

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