Crítica | Venom

Nota
2

É muito difícil, dentro do universo Marvel, o resultado de um filme sair muito diferente do que os trailers e promocionais anunciavam; às vezes se saem ainda melhor (Pantera Negra), às vezes um pouco abaixo (Vingadores: Era de Ultron) e, às vezes, exatamente o que se espera (todo o resto). De todos os filmes da Marvel do ano, porém, Venom é de longe a adaptação que deixava menos claro nos seus trailers o nível de qualidade do projeto, e isso tem uma razão: não é a Marvel/Disney que está produzindo e, sim, a Sony, que já tem um histórico considerável de divulgação truncada.

Em Venom, o personagem interpretado por Tom Hardy, o jornalista Eddie, descobre um segredo assustador sobre uma bilionária instalação científica chamada Life Foundation, que está fazendo experiências com uma espécie alienígena utilizando cobaias humanas. Na tentativa de salvar uma dessas cobaias, Eddie acaba interceptando a criatura dentro de seu corpo e, dessa forma, se torna um hospedeiro do alienígena Venom.

Hospedeiro humano, instalações secretas, vilões gananciosos que desprezam a humanidade porque sim, ajudante boazinha do laboratório malvado e até a namorada loira unidimensional (aqui, vivida por Michelle Williams) são só a parte principal dos clichês do roteiro assinado por Scott Rosenberg, Jeff Pinkner e Kelly Marcel (três ou mais roteiristas rarissimamente é um bom sinal).

No entanto, é curioso que nada disso quer dizer que Venom é isento de bons momentos, porque não é; em outras palavras, não é difícil se divertir com o filme – difícil é separar as qualidades dos problemas, porque eles vêm juntos e misturados na maior parte do tempo.

A qualidade mais notável de Venom é (quase) exterior ao filme: o carisma de Tom Hardy. Não fosse o ator britânico tão compenetrado com o material e tão à vontade com o papel, o personagem sozinho não seguraria a atenção. Se o protagonismo fica comprometido pela falta de camadas da história, pior ficam os personagens secundários: Michelle Williams precisa seriamente mudar de agente pra parar de fazer pontas tão automáticas e sem sal (e seria legal também rever o penteado com o pessoal da maquiagem).

Riz Ahmed impressionou a todos com sua participação no ótimo O Abutre (2014), mas de lá pra cá, ainda não encontrou um trabalho suficientemente interessante e este aqui é o seu ponto mais baixo: um vilão cheio de frases de efeito genéricas e algumas atitudes que beiram o nonsense. Já o personagem de Reid Scott tem tão pouca razão de existir que o próprio filme se esquece dele no ato final.

Mesmo com tantas peças fora do lugar, o diretor Ruben Fleishcer traz para cá de seu muito divertido Zumbilândia (2009) um estilo considerável nas cenas de ação e algumas situações deliciosamente criativas – ainda que não se justifiquem. A perseguição de moto, por exemplo, é o ponto alto do filme, onde a direção e o roteiro exploram ao máximo as possibilidades dos poderes de que o “simbionte” e Eddie são capazes juntos. Mas até mesmo essa dinâmica entre hospedeiro e criatura do mal se desgasta ao longo de Venom, com a narrativa mais preocupada em soluções de ação do que na relação de personagens, que se torna apressada e subdesenvolvida.

Incompreensível, aliás, é a falta de cuidado dos roteiristas com as facilitações clássicas; a esta altura o público não tolera mais com tanta facilidade coisas como uma funcionária de um projeto ultrassecreto conseguir ingressar um intruso num lugar de alta tecnologia, e ainda ficar conversando com ele em alto e bom som sobre o plano maléfico dessa mesma companhia (jura que eles não estão sendo filmados?). Ao menos do ponto de vista visual, Venom se mantém coerentemente sombrio e noturno, com efeitos visuais que oscilam entre bom, funcional e muito aparentes.

Tirando o sumo disso tudo, sobram as piadas surgindo meio de repente e sempre um tom fora da nota. Nesse caso, as rizadas acabam vindo de maneira igualmente errada, espaçada, bagunçada – e às vezes até meio culpada, representando muito o espírito do filme.

 

De Recife (PE), Jornalista, leonino típico, cinéfilo doutrinador.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *