Crítica | Venom: A Última Rodada (Venom: The Last Dance)

Nota
3

Quando uma ameaça alienígena se infiltra de forma grotesca em nosso mundo, a linha entre o bizarro e o aterrorizante pode se borrar de maneira intrigante. Em uma narrativa que mistura caos e humor ácido, o absurdo reina absoluto, e o imprevisível se torna a única certeza. Mas, o que acontece quando essa bizarrice é abraçada com força total, resultando em uma experiência onde os limites entre o cômico e o sombrio são deliberadamente ignorados? É nesse terreno incerto que surge uma batalha que não se define apenas por seus heróis ou vilões, mas pelo quanto a diversão e a extravagância são levadas ao extremo.

É exatamente isso que encontramos em Venom: A Última Rodada, o terceiro filme da série que tem Tom Hardy no papel duplo de Eddie Brock e seu simbionte alienígena, Venom. A franquia, que sempre oscilou entre o humor bizarro e o terror leve, finalmente se entrega de vez à sua natureza galhofeira e ao humor excêntrico que havia apenas espreitado nos dois primeiros filmes. Dirigido por Kelly Marcel, que também co-escreveu o roteiro com Hardy, esse capítulo final, ainda que imperfeito, é de longe o mais confortável em sua própria estranheza.

Desde o primeiro momento, é evidente que Venom não tenta ser algo que não é. Ele abandona qualquer pretensão de um drama profundo ou de uma narrativa complexa, o que, de certo modo, acaba sendo um alívio. A trama gira em torno da ameaça de Knull (Andy Serkis), um deus alienígena e criador dos simbiontes, que busca sua liberdade de uma prisão cósmica. Embora a história envolva batalhas épicas entre simbiontes e caçadores alienígenas, o que realmente se destaca é o relacionamento entre Eddie e Venom, que evoluiu de forma cômica para algo quase afetuoso e funcional, ainda que completamente absurdo.

Esse filme se destaca dos anteriores justamente por entender que o ponto forte da franquia não está em cenas de ação mirabolantes ou em uma profundidade emocional complexa, mas sim no humor peculiar e na dinâmica entre Eddie e seu simbionte. Enquanto o segundo filme, Venom: Tempo de Carnificina, já indicava essa direção, A Última Rodada se aprofunda nesse tom autodepreciativo, resultando em momentos hilários e deliberadamente exagerados. Ver Venom e Eddie discutindo sobre as decisões mais banais da vida, como se fossem um casal, é um dos pontos altos, e o filme não tem medo de brincar com esses elementos cômicos.

No entanto, se por um lado o filme abraça a galhofa de forma eficiente, por outro, ele falha em manter o mesmo nível de criatividade em seu desfecho. O clímax da batalha final, que deveria ser o ápice de toda a tensão construída ao longo do filme, acaba sendo uma decepção. O confronto com Knull é previsível e carece do impacto visual ou emocional que o filme parecia estar preparando. Embora a relação entre Eddie e Venom seja o coração da narrativa, a falta de ousadia no desenvolvimento final da trama prejudica o que poderia ter sido uma conclusão épica.

É importante destacar que, em comparação com os dois primeiros filmes, A Última Rodada se sai melhor por finalmente entender que seu ponto forte não está em tentar ser um filme de super-herói tradicional. Ao se render à sua essência absurda, o filme se torna mais leve, mais divertido e, de certo modo, mais honesto. A insistência dos filmes anteriores em equilibrar o horror leve com uma história de redenção pessoal nunca funcionou plenamente, e ver a franquia finalmente abraçar a galhofa pura é um alívio. No entanto, o filme também mostra que nem sempre é fácil manter o equilíbrio entre a diversão e o caos, especialmente quando o final não entrega o que prometeu.

Os personagens secundários, infelizmente, acabam sendo pouco aproveitados em meio ao caos e à ação desenfreada, funcionando mais como peças de apoio para o desenvolvimento de Eddie e Venom do que figuras realmente relevantes. Chiwetel Ejiofor e Juno Temple, embora talentosos, têm pouco espaço para brilhar em seus papéis como cientista e militar, personagens que poderiam ter oferecido mais camadas à narrativa. Além disso, o filme perde uma grande oportunidade ao não explorar melhor os outros simbiontes, que são introduzidos de maneira quase superficial. Com a riqueza do universo dos simbiontes nos quadrinhos, o longa poderia ter aprofundado a mitologia dessas criaturas, aproveitando suas variações e características únicas para ampliar o escopo da história, trazendo novos conflitos e possibilidades para além do embate central entre Venom e Knull.

A diretora Kelly Marcel faz sua estreia na direção, e embora sua condução seja eficaz em muitos momentos, é evidente que alguns dos elementos mais emocionantes acabam diluídos em meio à ação caótica. A experiência de Marcel como roteirista certamente a ajudou a entender o tom que o filme precisava, mas sua inexperiência como diretora é visível nas cenas de ação, que às vezes carecem da intensidade necessária. Ainda assim, ela faz um bom trabalho ao trazer o humor e a dinâmica entre Eddie e Venom à tona, fazendo com que esses momentos compensem as fraquezas da direção.

As sequências de ação, embora presentes, nunca são o ponto principal do filme. A interação entre Eddie e Venom, com seu humor peculiar e absurdamente exagerado, rouba a cena a cada momento. Ver Venom possuindo um cavalo ou participando de uma bizarra festa alienígena em meio ao deserto é um dos momentos que melhor representa o tom cômico que o filme se propôs a adotar. Ainda assim, o filme às vezes se perde em meio à sua própria confusão, com uma narrativa que pula de uma situação caótica para outra sem muito tempo para desenvolver melhor seus personagens secundários.

Venom: A Última Rodada é, em sua essência, um filme que não se leva a sério — e isso é sua maior força e também sua maior fraqueza. Se por um lado ele consegue entregar momentos de pura diversão, por outro, ele carece de coesão em sua narrativa e falha em construir um final à altura da jornada que apresentou.

 

Pernambucano, jogador de RPG, pesquisador nas áreas de gênero, diversidade e bioética, comentarista no X, fã incontestável de Junji Ito e Naoki Urasawa. Ah, também sou advogado e me arrisco como crítico nas horas vagas.

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