Crítica | Vidas Passadas (Past Lives)

Nota
5

Marcando a estreia da diretora Celine Song, Vidas Passadas traz o tema mais visceral de todos para um filme de romance: a vida real. Em sua cena de abertura, somos questionados sobre qual a relação daquelas três pessoas do outro lado do bar? Será que os dois asiáticos são um casal visitando seu amigo americano? Ou será que ela é casada com o americano? Não pode ser, ela mal olha para ele… Então ele deve ser o guia de viagem desse casal de asiáticos, só pode ser.

Essa dúvida que já instiga a curiosidade para a história, já consegue ser um gostinho do que veremos pela frente. Até porque, Celine Song sabe bem como conduzir essa história, que é tão íntima e ao mesmo tempo tão fácil de se colocar na obra. O filme que só chega aos cinemas brasileiros no dia 21 de janeiro de 2024, nos faz acompanhar a vida de Nora (Greta Lee), uma jovem coreana que foi levada a imigrar para o Canadá com seus pais muito nova, deixando para trás toda sua vida na Coreia do Sul. Para Nora, além dos desafios que viriam pela frente em mover sua vida para um país estranho, ela teria também que se despedir do seu primeiro amor, o seu colega de escola Hae Sung (Teo Yoo).

Após 12 anos, já acostumada com sua nova vida e depois de passar por diversas dificuldades por ser imigrante na infância, Nora que agora reside em Nova Iorque, decide procurar pelos seus conhecidos da Coreia pela internet, e descobre que Hae Sung estava procurando por ela no seu Facebook. Apesar da ansiedade de ter que se apresentar novamente e fazer esse novo contato, os dois são surpreendidos por terem tanta coisa em comum. Greta Lee já surpreende nessa nova fase por conseguir trazer todas as vivências da sua personagem apenas com sua forma de falar, pois mesmo que o espectador não saiba falar coreano, a atriz deixa nítida as dificuldades da personagem em falar novamente a sua língua materna depois de anos.

Depois das mensagens, ligações e chamadas de vídeo diárias, surge o grande dilema: Quando podemos nos encontrar? Afinal, Nora está muito bem acostumada em sua nova vida em Nova Iorque e o Hae Sung ainda está para finalizar sua faculdade de engenharia. Por conta disso, ela toma a difícil decisão de se afastar do antigo, mas novo amor, para que ambos não se machuquem mais, o que faz com que ambos decidam procurar por novas pessoas que as completem mas em uma realidade mais próxima.

Mais 12 anos se passam, Nora agora está casada com Arthur (John Magaro), e ela nunca imaginaria que depois de tanto tempo, Hae Sung voltaria a procurá-la, só que agora de viagem marcada para Nova Iorque e com um relacionamento recém terminado. Ao contrário do que acontece em muitos romances clichês, o marido de Nora sabe de tudo que aconteceu entre os dois, e apesar de expressar seus ciúmes por muitas vezes, não a impede de reencontrar com seu antigo “amigo”.

Celine Song faz um trabalho excepcional como roteirista e diretora do filme. Colocando na tela todo o desconforto dos protagonista em se verem pessoalmente depois de 24 anos, desde a fisicalidade dos atores, como também nas ambientações onde pode se ver casais por todos os lados, fazendo Nora e Hae Sung ter que explorar os assuntos que eles não queriam abordar. Descobrimos o motivo do título do filme de duas formas: Após Nora conhecer seu marido, ela fala sobre o conceito de In-Yun, palavra coreana que pode significar “destino”, destino esse que pode se traduzir em resolver pendências de vidas passadas também. Diversas questões permeiam a cabeça de Nora, como se esse “destino” entre ela e Hae Sung precisa continuar, ou se ela estava realmente destinada a ficar com seu atual marido, Arthur, além das suas barreiras internas adquiridas com a imigração de não se sentir pertencente a lugar nenhum e de aos poucos perder sua identidade coreana.

A vida real às vezes pode ser mais dramática que qualquer romance tradicional, e Past Lives consegue trazer das formas mais sutis todas as emoções e decisões mais difíceis que você pode fazer. Os clichês de largar toda sua vida para fugir com um amor do passado, não acontecem, porque estamos fincados em nossas rotinas e temos medo de algo novo que vai mudar tudo que conhecemos. Nora não está errada em não querer trocar o “certo pelo duvidoso”, apesar de doloroso que é ter que escolher abdicar de uma paixão visceral, foi uma escolha que foi necessária de ser feita, e o choro no final consegue transmitir toda a dor reprimida em 24 anos e que não só simboliza o fim de uma história, como também é uma forma finalmente começar a cicatrizar suas feridas.

 

Ilustradora, Designer de Moda, Criadora de conteúdo e Drag Queen.

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