“Não dá para dizer que alguém é gay só pela aparência. E gay ou hétero não são as únicas possibilidades.”
Charlie Spring e Nick Nelson não tem quase nada em comum. Charlie é um aluno dedicado, bastante inseguro, que passou boa parte do último ano sofrendo bullying por ter sido tirado do armário em um colégio só para garotos. Já Nick é um atleta extrovertido, que vive cercado pelos seus amigos héteros que só pensam nas táticas para o próximo jogo de rúgbi.
Por um acaso do destino, os dois sentam lado a lado todas as manhãs no grupo interséries, o que desperta uma amizade intensa que surpreende a ambos. Charlie começa a nutrir sentimentos sobre o novo amigo, mesmo sabendo que se apaixonar por um garoto hétero só causará frustrações. Mas o próprio Nick começa a duvidar sobre o que sente, questionando tudo aquilo que parecia entender até então.
Enquanto a amizade se torna mais forte e eles passam cada minuto que podem na companhia um do outro, os garotos começam a entender que, quando menos se espera, um amor pode surgir de uma maneira incrível e avassaladora.
Após lançar o seu primeiro livro, Alice Oseman resolveu expandir sua história, trazendo um novo foco para um casal que aparecia ocasionalmente em sua obra. O que ela não esperava é que sua webcomic, lançada despretensiosamente no Tapas para apresentar esse novo enredo, fosse conquistar uma legião de fãs e se tornaria o mais novo queridinho no mundo dos quadrinhos.
Com traços delicados e uma ternura cativante, Heartstopper – Dois Garotos, Um Encontro, marca o primeiro volume dessa narrativa, trazendo o primeiro encontro de um dos casais mais amados da atualidade. Talvez, o grande sucesso da HQ esteja na transposição daquilo que realmente faltava para a comunidade LGBTQIAP+: uma história reconfortante que fugia dos estereótipos escolhidos para a comunidade.
O enredo é bem simples: um garoto conhece outro garoto. Eles se aproximam e começam a nutrir sentimentos mais profundos enquanto estreitam seus laços. Mas eis que surge a grande virada da autora, mostrando que nem toda trama da comunidade precisa ser pesada e aterradora. Que também podemos viver clichês adolescentes sem nos sentirmos culpados pelo alento que eles trazem.
Oseman constrói uma narrativa leve e despretensiosa, que acalenta o coração do leitor e nos faz devorar suas páginas para acompanhar seu desenvolvimento, fazendo a história crescer diante dos nossos olhos enquanto somos envolvidos pela ternura do amor juvenil. Cada personagem aqui colocado consegue transpor as páginas e apresentar camadas latentes, nos conquistando com sua ternura enquanto nos convida a prosseguir com delicadeza.
Nick e Charlie são os melhores exemplos. A construção do seu relacionamento é feita de forma sublime, nos abraçando e envolvendo sem sequer notarmos, a ponto de mal percebemos o quão apegado estamos pela dupla de protagonistas. Alice vai aos poucos revelando parte da jornada particular de cada um, nos impulsionando a conhecer mais e torcer verdadeiramente para eles a cada novo passo.
Charlie é popular em sua escola, mas mesmo assim ele carrega certos traumas e acaba se sujeitando a relações que despertam seus gatilhos pelo simples fato de achar que migalhas de afetos são o suficiente. A história começa em seu despertar para os abusos que sofre, nos mostrando seu desenvolvimento através do amadurecimento que tal percepção o traz. E é o contraponto de sua amizade com Nick que o ajuda a evoluir e crescer como personagem.
Nick, por outro lado, embarca em uma jornada de auto-descoberta, mostrando a importância e a dureza de entendermos a nós mesmos. O atleta sempre esteve seguro sobre si, mas os sentimentos por Charlie começam a faze-lo indagar sobre si mesmo e sobre tudo o que ele achava conhecer. E é nesse ponto que a autora traz o auto conhecimento, explorando um ponto delicado que todos da comunidade já passaram em algum momento, um ótimo acerto da jovem Alice.
Em nenhum momento a confusão sentimental faz com que ele trate mal seu companheiro, e nem mesmo as falas preconceituosas de seus amigos interferem em seus sentimentos por Charlie.
A HQ ainda nos presenteia com ótimos coadjuvantes, que vão ganhando peso ao longo da narrativa. Seja o superprotetor Tao, ou a observadora Tori, todos tem um papel a desempenhar. Até mesmo aqueles não tão legais assim, como o abusivo Ben (que nos alerta sobre as bandeiras vermelhas que por muitas vezes aceitamos em nossas vidas) e o inconveniente Harry (que representa tanta gente babaca que encontramos em nosso caminho).
A edição da Seguinte é primorosa, trazendo um volume luxuoso que da orgulho de se ter na estante. Com capa dura, e cores pasteis que trazem uma tranquilidade imensurável, a editora conseguiu traduzir bem o formato da HQ para a nova mídia, colocando uma tradução impecável que nos aproxima ainda mais dos personagens (obrigado pelo ótimo trabalho Guilherme Miranda).
A grande verdade é que Heartstopper consegue tocar cada leitor de maneiras diferentes, com toda sua doçura dolorosa que nos encanta a cada página. Seja pela adorável representação em suas páginas, ou pelo encanto do primeiro amor, Alice nos convida a viver um momento agradável que a muito tempo nos foi negado. Uma verdadeira adição para toda uma geração que vai poder sonhar com o caloroso amor juvenil.
“ – Você… sairia com alguém que não é uma menina?
– Eu não sei… talvez.
– Você… beijaria alguém que não é uma menina?
– Eu não sei.
– Você me beijaria?”
Phael Pablo
Preso em um espaço temporal, e determinado a conseguir o meu diploma no curso de Publicidade decidi interagir com o grande público e conseguir o máximo de informações para minhas pesquisas recentes além, é claro, de falar das coisas que mais gosto no mundo de uma maneira despreocupada e divertida. Ainda me pergunto se isso é a vida real ou apenas uma fantasia e como posso tomar meu destino nas minhas mãos antes que seja tarde demais...