“Falei igual ao meu pai. Ele era muito duro comigo. Dizia que eu tinha que aceitar, entender… que eu precisava crescer.
Você cresceu… e ainda é aquele menino que não aceitava.”
Jeremias é um dos melhores alunos da classe. Doce, inteligente e com um imaginário poderoso, o rapaz possui vários amigos, pais dedicados e uma rotina saudável e primorosa… Até que enfrenta o preconceito por causa da cor de sua pele. Eis que o garoto começa a reparar que as outras pessoas não o tratam como os demais, que sua professora não acredita em seus sonhos e que, seu suposto melhor amigo, ri das coisas terríveis que os outros colegas de classe falam sobre ele.
Olhando mais ao redor, Jerê percebe que não é o único a encarar tais atos e que a sociedade faz pouco caso daquilo que se passa diante de seus olhos. Em uma jornada poderosa e repleta de mensagens marcantes, Jeremias vai entender que não existe uma briga ocorrendo, mas uma verdadeira luta.
Durante décadas, Maurício de Sousa criou personagens icônicos que permeiam pelo mundo dos quadrinhos e acrescentam drasticamente na infância de inúmeros brasileiros. Mas, é também verdade, que muitos desses poderosos personagens são deixados de lado, aparecendo ocasionalmente a ponto de terem pouco ou nenhum desenvolvimento.
Jeremias é um deles. O integrante da Turma do Bermudão é visto constantemente como coadjuvante das histórias em que participa, possuindo poucas narrativas sobre seu ponto de vista e tendo pouquíssima voz perante a turma. Mas eis que surge uma oportunidade única de criar uma voz para sua jornada, fugindo do mundo ideal criado por Maurício para encarar uma dura realidade cotidiana: o racismo.
Roteirizada por Rafael Calça e desenhada por Jefferson Costa, Jeremias: Pele é a décima oitava produção do selo Graphic MSP e a primeira a ganhar o Prêmio Jabuti na categoria Histórias em Quadrinhos, o que não é para menos, já que estamos diante de uma narrativa implacável que nos contorce a cada novo quadro.
Aproveitando o pouco desenvolvimento do personagem nos quadrinhos, Calça e Costa decidem dar seus próprios traços, abordando vivências de seu cotidiano e aprofundando tudo aquilo que sentiram na pele. Cada ato aqui presenciado nos perfura de maneira genuína, trazendo significados tão conhecidos que refletem a nossa sociedade atual.
A HQ parte da premissa de um garoto negro, tomando consciência que a sociedade não está a seu favor e que cada atitude sua é julgada e menosprezada por aqueles que estão ao seu redor. Jeremias, ao contrário de tantas crianças, cresce em um ambiente seguro e acolhedor, que o isola da crueza humana enquanto quebra os paradigmas das representações negras em nossa sociedade. A retirada de sua motivação para sonhar e a revolta trazida com tais aspectos cria uma profunda ferida que expande em seu interior enquanto constrói um trauma cotidiano. Cada momento aqui presente nos deixa com um nó na garganta, ao mesmo tempo que abre nossos olhos para citações que escolhemos não enxergar.
Boa parte disso vem do brilhantismo presente no texto de Calça, que transpõe, com maestria, cada sentimento fervoroso de seu protagonista. Os simbolismos sociais e a construção de cada ato velado transpõe uma inquietude constante, que nos acompanha durante toda narrativa enquanto aprofunda a temática levantada. Os desenhos de Costa trazem o toque final que transborda esses sentimentos, demonstrando com cuidado como cada situação repercute em seus personagens. Os traços nos permitem enxergar cada momento crucial do texto, aumentando nossa ligação com o que nos é apresentado, trazendo um turbilhão proposital que nos carrega a cada quadro.
Os autores ainda conseguem nos presentear com momentos magníficos que engrandecem a história da população negra em nosso país, demonstrando todo orgulho e força que cada geração precisou atravessar para conquistar seus direitos, demonstrando assim que é uma luta constante que requer muito mais do que esperamos.
Necessária e poderosa, Jeremias: Pele merece cada reconhecimento que tem recebido. Repleta de nuances, a HQ transpõe as barreiras ideais do universo de Maurício para abordar, com maestria, aquilo que lhe é proposto. Fugindo dos debates rasos e mergulhando de cabeça no traços propostos, a obra merece ser lida, relida e debatida amplamente em nossos ciclos, para que, enfim, possamos começar a compreender o que, por tantos anos, preferimos não observar.
“Prazer, meu nome é Jeremias e, um dia, eu vou contar histórias.”
Phael Pablo
Preso em um espaço temporal, e determinado a conseguir o meu diploma no curso de Publicidade decidi interagir com o grande público e conseguir o máximo de informações para minhas pesquisas recentes além, é claro, de falar das coisas que mais gosto no mundo de uma maneira despreocupada e divertida. Ainda me pergunto se isso é a vida real ou apenas uma fantasia e como posso tomar meu destino nas minhas mãos antes que seja tarde demais...