Resenha | Achados e Perdidos

Nota
4.5

“Essa merda não quer dizer merda nenhuma.”

John Rothstein nunca foi uma pessoa fácil. Autor de uma das trilogias mais aclamadas entre o público jovem, o escritor sempre se mostrou antissocial e bastante ranzinza com os holofotes da mídia. Após terminar sua saga, Rothsetein se isolou do mundo em uma pacata casa de fazenda em New Hampshire abandonando de vez o mundo literário e aproveitando o máximo a paz e o silêncio que a solidão lhe proporcionou.

Mas, em 1978, John vê sua paz interrompida por uma invasão domiciliar. Sua fazenda foi assaltada por três homens mascarados que buscavam seu dinheiro e seus bens mais valiosos – 180 manuscritos redigidos durante seus anos de solidão, incluindo dois volumes inéditos da trilogia O Corredor, obras que ele nunca esperou mostrar ao mundo. Quando tudo parece ter passado, um dos assaltantes revela seu rosto a Rothstein mostrando toda sua frustração encobertas por sua fachada intelectual.

O Corredor mudou drasticamente a vida de Morris Bellamy. Ele foi seu amigo nas horas de solidão, ele viu uma representação promissora de sua vida atual em Jimmy Gold, o protagonista rebelde da trilogia. Mas, o final intragável da trilogia e de seu personagem favorito trouxeram um sabor amargo a Bellamy, que só conseguia pensar em um possível culpado para o rendimento de Jimmy: o próprio autor da saga.

Em 2010, Peter Saubers sai para caminhar no pequeno caminho ao fundo de sua casa. Exausto com as constantes brigas dos pais e o caos que sua vida se tornou após o desastroso atropelamento do pai, em uma fila para vagas de empregos no City Center pelo abominável Assassino da Mercedes, o jovem de treze anos observa o desmoronamento da família que tanto ama. Após um leve desmoronamento, Peter encontra um tesouro enterrado com uma quantidade considerável de dinheiro e, curiosamente, alguns manuscritos de um autor que ele nunca ouviu falar.

O baú secreto pode significar a salvação de sua família, mas o q realmente encanta o garoto são as magnificas historias de Jimmy Gold nunca contadas antes. Mas, assim como esperança, o baú também pode conter a destruição do garoto enquanto um inimigo mortal ressurge para recuperar o que uma vez lhe pertenceu.

Após o empolgante Mr. Mercedes, Stephen King volta a narrativa policial da trilogia Bill Hodges com o segundo volume da saga. Achados e Perdidos é uma bola fora da curva, mas não necessariamente algo ruim. Enquanto os outros dois volumes tem o detetive como seu real protagonista, este livro foca em outros personagens deixando Bill e sua trupe em segundo plano.

É inegável que King sabe como conduzir sua história e envolver o leitor, sua narrativa em terceira pessoa ajuda muito a nos imergir em sua trama. Colando bem o passado e o presente, King vai construindo aos poucos uma narrativa densa e calculada. Nos encontramos ansiosos e tensos a cada desdobramento da história, a cada decisão tomada e a poderosa descrição de sentimentos que só King sabe nos proporcionar.

E, embora sintamos falta dos personagens que amamos conhecer no primeiro livro, a dupla principal da trama não deixa nada a desejar. Peter e Morriss representam os dois lados da mesma moeda. Embora façam partes de contextos diferentes, historias diferentes, os dois encontram seu refugio na leitura e no amor pela historia criada por John Rothstein. Ambos encontram um sentido de posse sobre a historia e apresentam extremos de amor a literatura.

Enquanto Morris é claramente um maníaco, que não consegue se desapegar da trama que tanto ama (algo bem parecido com o que ocorre em Misery: Louca Obsessão), Peter mostra seu amor e apreço pela obra de uma maneira mais dócil e inspiradora. Morris representa o fã obcecado e rancoroso, que não encontra consolo no final medíocre para a saga que tanto ama. Em vários momentos nos identificamos e simpatizamos com o mesmo (o que é algo bem chocante), e é onde King nos mostra que talvez, só talvez, o amor beira a loucura e isso assusta mais do que qualquer coisa.

Peter tem uma ingenuidade singular. Embora muito jovem, o rapaz se sente protetor em relação a sua família e não pensa duas vezes antes de ajudar a manter a paz em seu lar destruído. Mas mesmo com toda sua inteligência, o rapaz toma decisões arriscadas e se vê afundado em seus problemas e dilemas a ponto de ruir internamente. O embate entre os dois é algo sublime e revela algumas das melhores interações do livro. Eles são tão parecidos quanto diferentes, mostrando o que o outro poderia ter se tornado se tomasse um rumo diferente.

Bill, Holly e Jerome só aparecem na segunda metade da trama. Sua ausência ao longo da obra pode ser considerado incômodo para alguns (afinal, é o ex-detetive que da nome à trilogia), mas não se mostrou algo tão marcante em minha opinião. O livro nos mostra aos poucos como cada um ficou depois do desfecho de Mr. Mercedes e prepara o terreno para o desfecho da trilogia de modo singular.

A edição da Suma trás os detalhes precisos que nos encantaram no primeiro volume. Com uma arte que conversa bem com o enredo e cria ainda mais destaque pelo fundo branco salpicado de sangue, o livro chama a atenção e casa bem com o conjunto anterior. As paginas amareladas, a fonte bem espaçada e a ótima divisão de capítulos mostra todo o cuidado com o conforto do leitor, tornando a obra digna de notas de um carinho que transcende as folhas.

Repleto de uma agonia latente, Achados e Perdidos é uma breve respiração no meio da trilogia de Bill Hodges. Com uma trama pessoal que toca profundamente o leitor com uma pergunta pertinente e afiada: o quanto o amor a literatura mudou a nossas vidas e até onde somos capazes de ir para defender uma obra que amamos?

 

“Eu ia dizer que o trabalho dele mudou minha vida, mas não é verdade. Acho que um adolescente não tem muita vida a ser mudada. Acabei de fazer dezoito anos. Acho que o que quero dizer é que o trabalho dele mudou meu coração.”

 

Ficha Técnica
 

Livro 2 – Trilogia Bill Hodges

Nome: Achados e Perdidos

Autor: Stephen King

Editora: Suma de Letras

Skoob

Preso em um espaço temporal, e determinado a conseguir o meu diploma no curso de Publicidade decidi interagir com o grande público e conseguir o máximo de informações para minhas pesquisas recentes além, é claro, de falar das coisas que mais gosto no mundo de uma maneira despreocupada e divertida. Ainda me pergunto se isso é a vida real ou apenas uma fantasia e como posso tomar meu destino nas minhas mãos antes que seja tarde demais...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *