Nota
“Ah, como eu queria ter um irmão!”
Leo sempre sonhou em ter um irmão, mas sua mãe, Edith, carregava sequelas de um pequeno tumor que teve no útero e a deixou esteril. Os anos se passaram, o garoto de São Paulo tinha tudo que queria, era mimado por sua mãe e seu pai, mas nunca ganhou o que ele mais queria. Sua vida começou a mudar quando uma carta misteriosa surgiu em seu correio, um correspondencia avisando a Edith que sua irmã, Edna, que vivia na Bahia, havia falecido, uma tia da qual Leo nunca tinha ouvido falar. Edna tinha sido rejeitada pela familia há anos, quando acabou fugindo com um garoto e o pai proibiu os outros dois filhos a ter contato com ela, algo que só mudou quando o avô de Leo faleceu, mas a relação de Edith, Edna e Ernâni nunca mais foi a mesma, até que sua morte chegou, deixando para trás um filho, Serginho, um garoto órfão que acaba sendo acolhido por Edith e se tornando o novo irmão de Leo, um garoto negro.
Num mundo onde o preconceito é tão grande, que choque seria uma familia branca tradicional receber em seu leito um novo integrante negro? Como seria para uma criança branca, loira e de olhos azuis, que vive em uma comunidade branca, ter que conviver com um ‘irmão’ negro? A proposta entregue na obra de Walcyr Carrasco é crua e sem rodeios, com apenas 70 páginas o livro vai direto ao ponto e começa a brincar com as diferentes visões sobre raça. A história inteira é focada em Leo e Sergio, o protagonista é um garoto branco da classe média, filho unico e (até então) unico neto e sobrinho na familia, ele vivia recebendo presentes de todos, roupas de boa marca, videogames, skate, e a atenção de seus pais, seu tio e sua avó, a chegada de Sergio começa a mexer com seu status quo. Sergio é magro, timido e é um garoto negro pobre, se mudar para São Paulo vira um choque de realidade e ao mesmo tempo fica claro que há um medo o preenchendo, um receio quando começa a ser acolhido pela familia, um pavor quando Leo perde a paciencia ao ver seu primo não saber jogar videogame.
“- Por que você não me contou que ele era negro, quando a gente se falou pelo telefone?
– Quando eu falo de você, preciso dizer que é branco?”
As páginas vão nos envolvendo facilmente no drama enfrentado por Leo, nos vemos no lugar dele e confusos sobre como devemos reagir a tudo que acontece, curiosos para saber do que Sergio tem medo, esperando a dura realidade e o momento que ela vai atacar de frente os ‘irmãos’. Os pequenos atos racistas que Leo vai passando a presenciar começam a mudar sua visão do mundo, a colocar ele para refletir sobre o quanto a cor de pele pode mudar a forma como uma pessoa passa a ser tratada, o quanto uma cor parece pesar muito mais do que um sobrenome: um negro, mesmo que esteja bem vestido, é o filho da empregada, um branco, mesmo com roupas velhas, merece ser respeitado. Com passagens que podem marejar os olhos, o livro coloca o dedo profundamente na ferida do preconceito, Walcyr se mostra extremamente capaz de desmentir a famosa frase que diz que não existe preconceito no Brasil, ele coloca seu protagonista para encarar o preconceito em suas diversas formas e consegue ser capaz de acolher qualquer leitor, quando Sergio sofre preconceito, os negros vão ser capazes de se identificar e os brancos vão ser capazes de se colocar no lugar de Leo e sentir a dor de ver seu irmão ser rejeitado. Como se não bastasse apenas o preconceito, o livro constroi uma história extremamente pesada para o passado de Sergio, adicionando ainda mais camadas ao personagem tão sofrido.
Claro e objetivo, Irmão Negro é uma maravilhosa história sobre um garoto branco enxergando o racismo ao seu redor, só depois que Leo ganha um irmão negro ele começa a perceber os obstaculos que existem na vida de um negro no Brasil, ele começa a sentir na pela as portas sendo fechadas e as pessoas mudando o comportamente pelo simples fato de ele estar ao lado de um negro. A passagem do shopping é devastadora, assim como a grande revelação do segredo de Sérgio, que nos tira o chão e nos faz sentir a dor e as marcas que essa criança carrega, é como se um peso fosse tirado do personagem e colocado em nossa mente. De forma direta e esclarecedora, Walcyr consegue explorar o enredo e ainda ser didático, emocionando a cada vez que enxergamos o cotidiano de um negro sendo descrito em suas páginas, envolvendo pela forma como Leo se vê em meio da dualidade entre acolher seu irmão ou salvar sua antiga vida. Irmão Negro é uma aventura inspiradora que podemos fazer dentro da nossa consciencia e nos deixar pensativo, uma trama curta o suficiente para ser devorada em um só dia, mas que não falha em nenhuma linha e nem deixa de carregar suas passagens com o peso da dura verdade sendo escancarada.
“Abri meus olhos pela primeira vez. Até aquele instante, era como se eu fosse cego, incapaz de perceber a realidade.”
Ficha Técnica |
Livro Único Nome: Irmão Negro Autor: Walcyr Carrasco Editora: Moderna |
Skoob |
Icaro Augusto
Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.