Resenha | O Simpatizante

Nota
4.5

Referências diferentes trazem perspectivas diferentes. A Guerra do Vietnã, como lhe chamam os Americanos, ou a Guerra dos Americanos, como lhe chamam os Vietnamitas, opôs o Vietnã do Norte, apoiado fundamentalmente pela União Soviética e pela República Popular da China, ao Vietname do Sul, apoiado fundamentalmente pelos Estados Unidos da América, naquele que foi um dos conflitos das chamadas guerras indiretas durante a Guerra Fria. É nesse quadro geral da Guerra Fria que os americanos veem a guerra, mas para os vietnamitas, o que se discutia ali, mais que o poder de russos ou americanos, era mesmo o futuro do seu país.

“Sou um espião, um infiltrado, um agente secreto, um homem de duas caras. Talvez não cause surpresa o fato de ser também um homem de duas cabeças. Não um mutante incompreendido saído de um gibi ou filme de terror, embora alguns tenham me tratado como tal. Apenas sou capaz de ver uma questão pelos dois lados.”

É neste contexto que O Simpatizante, vencedor do prêmio Pulitzer para Ficção 2016, do escritor americano de origem vietnamita Viet Thanh Nguyen, se insere. O narrador anônimo é um oficial vietnamita refugiado em Los Angeles, duble de espião e proprietário de uma loja de bebidas, um intelectual (autor de uma tese sobre Graham Greene), enfim, um homem cheio de contradições, filho ilegítimo de um padre francês. A primeira frase diz tudo: “Sou um espião, um infiltrado, um malsim, um homem de duas faces. Não será porventura uma surpresa que também seja um homem de duas mentes.” O segundo parágrafo abre com a famosa citação de Eliot: “Abril, o mês mais cruel.” Saigão, a terra devastada, implodia.

Após a queda de Saigão, capital do Vietname do Sul, último bastião da luta frente aos Vietcongues, o narrador foge, juntamente com tantos outros refugiados, para os EUA, onde se vê obrigado a começar uma vida nova.

O próprio autor foi um dos que veio para os EUA por causa do conflito, tendo chegado com 3 anos e tendo crescido na zona de San Jose, Califórnia. Com o intuito de contar a história daquelas que se viram obrigados a ir viver para um país para onde a grande maioria não queria ir, Nguyen põe-nos no centro desta dinâmica, expondo a forma como os EUA, país formado por colonizadores e refugiados, sente dificuldade em lidar com quem vem de fora e, ao mesmo tempo, a forma como quem vem de fora tem dificuldades em lidar com a sua nova situação. Neste expoente máximo do capitalismo, todos estes vietnamitas se viam confundidos com chineses, e viam-se, inevitavelmente, transformados. Tinham de fazer pela vida, implicando dedicar-se a ocupações diferentes.

“Um coronel, (…), era porteiro. Um major impetuoso que pilotava helicópteros de combate era agora mecânico. Um capitão encanecido com jeito para caçar guerrilheiros; cozinheiro. Um tenente desapaixonado, único sobrevivente da emboscada a uma companhia: distribuidor.”

Não admira que Nguyen utilize o livro para, ao mesmo tempo que exorciza os fantasmas do narrador (que volta ao Vietnã para defender os seus ideais), revisita a América profunda dos anos 70 e 80: cinema, música, tiques geracionais. Tudo sem ignorar as previsíveis comparações com o Vietnã. A atualidade está presente ao longo da narrativa: “Recostado na sua cadeira de junco, com uma t-shirt branca e umas calças de caqui, e os tornozelos perfeitos à mostra porque não usava meias com os sapatos de vela, era tão cool como um gelado…” Em suma, a escrita de Nguyen prende o leitor em velocidade inacreditável.

É um livro que acaba por sofrer com a mudança de estilo, principalmente no final, que parece algo separado do resto do livro, Viet Thanh Nguyen faz um trabalho importantíssimo de mostrar não só a vida de refugiado e de imigrante nos Estados Unidos da América, mas também de contrariar a visão inflexível do mesmo. “Se formos representados por outras pessoas, será que elas não podem um dia varrer a nossa morte do terreno escorregadio da memória?”, pergunta-se o narrador, e também Viet Thanh Nguyen, que espera impedir essa morte contribuindo com a sua representação desta memoria comum.

 


HOST LENDO O MUNDO
Vietnã
Ficha Técnica
 

Livro Único

Nome: O Simpatizante

Autor: Viet Thanh Nguyen

Editora: Companhia das Letras

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