Nota
“O Brasil também tem lendas e seres fantásticos próprios em sua literatura oral. E se procurarmos nas estantes das livrarias, na seção de literatura, encontraremos ricas pesquisas sobre o folclore brasileiro.”
Nos estamos acostumados a viver rodeados de mitologias, conhecemos a mitologia grega, a nórdica, a celta e a bretã, as literaturas árabes do Oriente Médio e os contos asiáticos, vemos as produções hollywoodianas o tempo todo se aproveitando de toda essa base para produzir filmes, livros e séries, mas quantas vezes nós paramos para apreciar nossa própria mitologia? A mitologia brasileira, popularmente conhecida como Folclore, é rica de seres fantásticos e tramas mágicas mas, acima de tudo, tem uma base cheia de potencial para o terror, e é justamente esse potencial que Bráulio Tavares explora profundamente em Sete Monstros Brasileiros.
Logo de cara, em A Sétima Filha, conhecemos a história de Horácio e Maria Dôra, um casal sem filhos formado pelo cético advogado e a devota esposa obcecada pela casa. A trama inteira se desenrola ao redor das piadas e contestações que Horácio expõe nos debates sobre o sobrenatural, que chega ao ápice quando o homem fica sabendo que o Padre Bertino terá sua licença cassada, o mesmo padre que batizou sua esposa. Segundo as crenças populares, a sétima filha ou sétimo filho precisa ser batizado após nascer e ter como padrinho o seu irmão ou irmã mais velho, caso o ritual não seja seguido a risca, a criança está amaldiçoada a se tornar um Lobisomem. Mas o que pode acontecer a Maria Dôra, a sétima filha de onze, agora que seu batizado foi legalmente anulado?
Em seguida vamos para Bradador, que narra os fatos em volta de um funcionário de uma empresa carioca de auditoria, que precisa viajar do Rio até Miraceli, em Minas Gerais, onde participara de uma reunião com uma empresa que o contratou. O homem faz o que mais ama fazer, ficar em um hotel, conhecer a cidade, vagar pela noite, tudo numa preparação para a dita reunião, mas algo estranho circunda a cidade. De madrugada, o homem acorda com um uivo de tristeza misturado a gritos humanos, gritos que exprimem dor, tortura e desespero. O homem acaba caindo no sono depois de horas observando os sons mas sem saber de onde vinham, acorda algumas poucas horas depois, vai a reunião com extremo cansaço, volta ao hotel e escuta um batuque, um batuque que ele segue e o leva até o cemitério, até um ritual que marca sua vida da pior forma possivel.
Em O Papa-Figo, conhecemos a história do Dr. Amorim, um ex-vereador que vive na maior casa da rua de Valdir e possui uma doença misteriosa que os adultos evitam comentar. Valdir vai nos contando sobre o homem, que tem uma doença que ele desconhece, mas que dizem deixa-lo com o corpo inchado, dedos enormes, orelhas grandes e muita dor, atacado por uma fúria que o faz quebrar tudo e que pode ter crises que dura semanas. Segundo os rumores, a doença tem um tratamento, ele conta que a crise de semanas pode durar horas se o homem comer o fígado de uma criança, remédio que é adquirido por um escravo da família, que vaga pelas ruas da cidade com um saco nas costas capturando crianças sozinhas.
Logo somos levados à curiosa história dA Porca da Soledade, que é dita como um caso non-sense da Paraíba onde uma porca nasceu com uma fome interminável, nascendo com a capacidade de comer em poucos dias o suprimento de um ano de uma fazenda. A porca causou tanto prejuízo a seus donos que foi vendida em um leilão, onde foi colocada nas mãos de Dedé Merenciano, conhecido como O Zoo Tycon do Sertão, que passou a cobrar ingresso, vender souvernir e fotos com a nova estrela, que, segundo rumores, media trinta metros de comprimento e seis metros de altura, garantindo uma fama nacional e internacional.
O livro segue para Os Mortos-VIPs, o conta mais rápido e objetivo da coleção, onde vemos uma epidemia zumbi se espalhando em Campina Grande / PB, um vírus misterioso que dá um toque ‘gran-fino’ em seus hospedeiros, fazendo a cidade ser tomada por homens de black-tie, mulheres de vestidos de seda e lamê, grupos vestindo dinner jacket e blazer, homens que vagam murmurando receitas de dry martini, mulheres que correm carregando taças e bolsas cravejadas de joias, e até matilhas que atacam trajando roupas de equitação.
O destaque do livro fica por conta de A Expedição Monserrat, conto mais longo do editorial e que parece um relato investigativo. Nele vemos uma trama envolvendo dez exploradores, compostos por cientistas e estudantes, que partiram, no dia 4 de Julho de 1995, por uma trilha na Serra da Outorga, após passarem um noite na Vila Monserrat, com provisão para passar três dias explorando, mas não voltaram no dia 6, resultando em uma busca que revelou cinco mortos, quatro desaparecidos e um sobrevivente. Logo de cara somos apresentados a um resumo da noticia, para logo depois sermos apresentados a uma versão detalhada dos fatos, onde descobrimos que o grupo, que visitava o local quatro a cinco vezes por ano, foi encontrado na Passagem Pequena (trilha mais perigosa da Serra da Outorga), com os cinco corpos dispostos de forma linear pelos três quilômetros que levavam até o acampamento, onde o guia local foi encontrado vivo, agasalhado, semi-consciente e delirando. No acampamento foram encontrados os equipamentos dos mortos, tendo os equipamentos do guia e dos quatro exploradores restantes desaparecido junto com os ditos exploradores.
O conto segue relatando que a trilha de mortos parecia indicar que os cinco morreram ao fugir de algo, tendo sido encontrado primeiro Charles Bauer, que parecia ter morrido após cair de um barranco de 20 metros, e foi o primeiro a morrer, tendo morrido horas antes da segunda morte. Logo depois, foi encontrado Francisco Delano, o último a morrer, completamente mutilado e ensanguentado, parecendo ter sido morto pelo ataque de um grupo de animais, tendo uma arma ao seu lado e seu braço decepado encontrado a metros do corpo. Alice Campos, a penúltima a morrer, foi encontrada depois, com três tiros no peito e um no braço, tendo sido morta pela arma encontrada perto do corpo de Francisco Delano. O terceiro a morrer foi Evaldo Riepert, encontrado a alguns metros de Alice, vítima de um infarto fulminante. Mais próximo ao acampamento, que foi encontrado com sinais de luta, foi encontrada Antonieta Delano, escondida atrás de uma pedra, com sinais de ter sido morta por uma animal de grande porte, ela foi a segunda a morrer e não havia nenhuma pegada perto da área onde ela morreu. O autor pontua todas as perguntas que surgem do caso e segue dando todas as pistas e conclusões que surgiram, nos deixando com uma trama estupendamente real que nos deixa em dúvida se é tudo inventado por um autor de contos de terror ou a transcrição de um caso real há muito abafado pelas autoridades.
A obra se finaliza com Uma Gota de Sangue, onde vemos os dilemas que Givaldo Nunes enfrenta durante a preparação para a inauguração do Tropical Hotel Black River, um hotel construído no meio da Amazônia, isolado do resto do mundo e preparado para receber os mais ricos em busca de uma conexão com a natureza. Mas a inauguração não está tão relaxante quanto o hotel propõe, afinal o caminhão que traz alguns móveis atolou, o hotel recebeu cinquenta mesas redondas ao invés das planejadas mesas quadradas, os decoradores, arquitetos e engenheiros estão numa guerra sem igual, e Henri, um dos donos do Hotel, bebeu e desapareceu, um caos dificil de lidar que é mais dificultado quando Givaldo acaba indo para a área das piscinas abastecidas com um rio local desviado, local onde ele acaba encontrando uma misteriosa mulher de cabelos negros nadando, uma beldade nua dançando nas águas e se insinuando para ele, mas as vezes a beleza vem acompanhada do perigo, talvez essa mulher seja sua perdição.
Lançada pelo selo Fantasy – Casa da Palavra, da editora Leya, o livro de Bráulio Tavares é uma espetacular coletânea de contos de terror e suspense que une várias lendas populares e as renova de uma forma cativante. Temos uma revisão da lenda dos Lobisomem e do Papa Figo, uma paródia das lendas de zumbis e da Porca da Soledade, uma exaltação espetacular da lenda do Carbúnculo, além da criação de novos personagens a partir das fusões do Bradador com o Corpo Seco e da Iara com o Capelobo. No fim das contas, vemos que Bráulio aproveitou de todo conhecimento do folclore que um nativo nordestino, como ele, absorve durante seu crescimento e somou aos clássicos de escritores nacionais como Gilberto Freyre e Câmara Cascudo, criando tramas envolventes ao mesmo tempo que sua escrita, sempre direta e cativante, vai nos levando a fantasiar e ver uma certa realidade por trás dos relatos tão fantasiosos quanto palpáveis, que no fim nos deixa em dúvida se estamos lendo um relato como aquele que ouvimos de nossos vizinhos e parentes ou lendo um livro de literatura fantástica.
Ficha Técnica |
Livro Único Nome: Sete Monstros Brasileiros Autor: Bráulio Tavares Editora: Fantasy – Casa da Palavra |
Skoob |
Icaro Augusto
Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.
Resposta de 1
Faltou o pofácio mas de resto tudo certo