Nota
“Meu nome é Victoria Spring. Acho que você precisa saber que invento uma porção de coisas e depois me lamento. Gosto de dormir e de blogar. Um dia, vou morrer.”
Tori Spring não suporta mais o colégio. Na realidade, existem muitas coisas que Tori detesta em sua vida: sua melhor amiga, seus pais, ler livros, filmes irreais e tudo o que você possa imaginar. Entre as poucas coisas que lhe fazem suportar seu cotidiano estão escrever sobre seu pessimismo crônico em seu blog e seu irmão Charlie, que está aos poucos se recuperando de um distúrbio alimentar.
Por tanto, não é nada incomum que ela permaneça indiferente quando um misterioso blog surge na escola, pregando pequenas peças que mudam o ambiente escolar. A garota está tão presa em sua própria cabeça, tão convencida que o mundo é um lugar horrível, que não consegue perceber os esforços que Michael Holden, o novato esquisito, e Lucas Ryan, um antigo amigo de infância, fazem para se aproximar dela. Mas, quando as brincadeiras do Solitarie começam a sair de controle e machucar pessoas, Tori se vê obrigada a escutar os conselhos de Michael, sair da sua zona de conforto e descobrir o porque do novo site parece tão ligado a ela, dando um passo decisivo que pode mudar de vez a sua vida.
Quando tinha apenas 18 anos, Alice Oseman entregava seu primeiro manuscrito, escrito durante seu ensino médio e trazendo todas as incertezas e dilemas dessa época tão confusa. Não é a toa que o conteúdo escrito converse tanto com seu público, tocando nas feridas da idade e os alertando sobre certos perigos que possam passar despercebidos dos nossos olhos.
Confesso que procurei Um Ano Solitário após conhecer uma obra mais famosa da autora, e me apaixonar perdidamente pela protagonista desse romance em específico, que aparece como coadjuvante na obra em questão. Mas, para minha surpresa, uma nova versão da mesma se apresentava durante as páginas, aprofundando suas cicatrizes e me mostrando que o universo criado por Alice era ainda mais profundo do que eu imaginava.
Sendo sua primeira obra, o texto é repleto de uma imaturidade literal, se apoiando em certos clichês enquanto trata de assuntos mais pesados sem tanto cuidado (coisa que a própria autora já veio à público se desculpar). Mas, mesmo com todas as inseguranças presentes, a obra consegue transitar entre seus dilemas, transbordando a intensidade adolescente e seu mundo tão particular.
Tori é o melhor exemplo disso. Apática a tudo ao seu redor, a protagonista se contenta a aceitar as coisas como acontecem, sem se interessar por nada em particular enquanto vive uma vida que não diferencia o tempo passado. Ao mesmo tempo que serve como porto para seu irmão mais novo, a protagonista não entende bem as coisas que acontecem consigo, preferindo isolar tudo o que sente para não sentir demais.
Tudo a mantém em uma zona de conforto eterna, na qual ela se molda a ponto de não notar que as coisas ao seu redor não lhe cabem mais, o que torna toda sua jornada ainda mais angustiante quando estamos inseridos em seus pensamentos ácidos e depreciativos, repletos de uma melancolia latente que só consegue nos aprisionar ainda mais em suas nuvens sombrias.
A saúde mental da protagonista é tratada pela mesma como um tabu, a ponto de não querer debater com os demais ou sequer procurar ajuda sobre seus pensamentos. Não são poucos os momentos em que as pessoas indagam seu comportamento, trazendo oportunidades para um debate (e as vezes sendo bem invasivas em suas abordagens) mas tudo causa um afastamento maior que isola a protagonista em sua própria cabeça, até que algo precise ser feito e lhe dê motivação para se mover.
É esse um dos maiores problemas da obra em si. Tori não percebe seus pensamentos até estar a beira de algo destrutivo, acatando como normal tudo o que lhe passa pela cabeça sem nem ao menos cogitar que talvez não esteja saudável. Seus posicionamentos consistem em afastar e se fechar em si mesma, tornado ainda mais complicado encontrar uma evolução ou até mesmo uma busca por melhora que acrescentaria em muito com a trama quase simplória da obra.
“Todo mundo acha normal machucar os outros. Ou talvez eles não percebam que estão machucando as pessoas. Mas eu percebo.”
Por outro lado, Charlie, seu irmão, consegue mostrar a importância do debate e a busca que Tori tanto evita, construindo camadas profundas que nos fazem refletir sobre o cuidado com o próximo. O rapaz possui traumas profundos e suas passagens demostram o quão frágeis são nossas cicatrizes, que ao menor toque podem voltar a sangrar. Não é a toa que ele é seu namorado, Nick, tenham ganhado uma obra própria, que cativou os leitores e nos fez ansiar por mais conteúdos de seu universo.
O livro ainda nos apresenta Michael Holden, que, ao mesmo tempo que serve como contraponto solar para Tori, ainda traz semelhanças sombrias com nossa protagonista. Michael sempre está com um sorriso no rosto, tratando todos ao redor com uma gentileza divertida, mesmo que ele seja o motivo da piada. Sua estranheza esconde camadas interessantes, que nos mostra que as pessoas estão longe de ser o que aparentam externamente. Talvez, Michael seja o melhor personagem da obra, sendo de longe o mais interessante.
O mistério em si é pouco envolvente e até mesmo o livro reconhece que é um pouco infantil para sua promoção. O Solitaire até desperta nosso interesse no início, mas seu propósito se mostra fraco e desinteressante a ponto de nos perder no meio da jornada. A obra ganhou uma nova versão, mais parecida com os outros títulos da autora lançados aqui no Brasil pela Rocco. A beleza simplista da capa nos faz desejar mergulhar em seu conteúdo além de ser um alento visual que nos chama atenção desde a ilustração bem colocada, até mesmo em seu tom pastel. Um novo acerto visual da editora.
Embora demore a nos conquistar, Um Ano Solitário traz uma ligação latente com a época que deseja retratar. Repleto de confusões emocionais e uma trama neutra em sua construção, a jornada em si pode parecer esquecível, o que é uma pena, principalmente pelo carisma de seus personagens. Embora não seja a melhor obra da autora, o livro ainda consegue mostrar que existe algo a ser explorado, nos fazendo persistir mesmo que todo o resto parece tão apático quanto sua protagonista.
“Não esperávamos mais nada do Solitaire. Achávamos que uma pegadinha bastaria.
Estávamos bem enganados.”
Ficha Técnica |
Livro Único Nome: Um Ano Solitário Autor: Alice Oseman Editora: Rocco |
Skoob |
Phael Pablo
Preso em um espaço temporal, e determinado a conseguir o meu diploma no curso de Publicidade decidi interagir com o grande público e conseguir o máximo de informações para minhas pesquisas recentes além, é claro, de falar das coisas que mais gosto no mundo de uma maneira despreocupada e divertida. Ainda me pergunto se isso é a vida real ou apenas uma fantasia e como posso tomar meu destino nas minhas mãos antes que seja tarde demais...