Review | Adolescência [Season 1]

Nota
4

“Você precisa enganar as mulheres, porque nunca vai consegui-las de um jeito normal.”

Tudo começa quando a polícia invade a casa da família Miller, levando Jamie Miller, um garoto de 13 anos, sob suspeita de ter assassinado sua colega de classe, Katie Leonard. Em meio a um turbilhão caótico de incertezas, somos arrastados para dentro de uma complexa teia de reflexões morais e psicológicas, que mergulham fundo nos conflitos internos de um jovem aparentemente comum, mas que revela uma visão de mundo inquietante e controversa. Jamie passa por uma transformação profunda, impulsionada não apenas pelos acontecimentos ao seu redor, mas também pelo simples — e ao mesmo tempo avassalador — fato de estar vivendo a adolescência. Mas o que significa viver a adolescência hoje? Como atravessar esse período quando a internet, o bullying e as redes sociais funcionam como um espelho distorcido da moral, da identidade e da própria noção de pertencimento dessas “crianças”?

Criada por Jack Thorne e Stephen Graham, e dirigida por Philip Barantini, a série se constrói inteiramente em torno da pergunta: “o que realmente aconteceu?” — nos fazendo sentir tão perdidos quanto a própria família de Jamie. Com um enredo denso e provocativo, que mistura drama psicológico, crítica social e um retrato brutal da juventude moderna, Adolescência choca o espectador ao mergulhar no submundo da experiência adolescente. Através de Jamie, somos confrontados com os efeitos de uma vida marcada por bullying escolar e agravada pelas influências da subcultura incel, disseminadas nas redes sociais. No papel de Eddie Miller, pai de Jamie, Stephen Graham contribui de forma profunda para a atmosfera da série, protagonizando cenas emocionalmente intensas que levantam questionamentos incômodos sobre o papel paterno e a negligência familiar na formação dos filhos.

Mas o verdadeiro destaque da série é Owen Cooper, intérprete de Jamie. Owen entrega uma atuação intensa, passando por uma transformação profundamente convincente — e, em muitos momentos, desconfortável, de forma proposital. No centro de uma performance complexa, crua e carregada de emoção, percebemos o quão impressionante é o ator, que surpreende ao assumir um papel tão denso apesar da pouca idade e de estar estreando em grandes produções. Ele transita com naturalidade entre a doçura de um menino solitário e os momentos sombrios de um adolescente confuso, evidenciando a transformação psicológica de Jamie sob a influência de ideologias tóxicas encontradas na internet. A todo instante, é possível sentir o conflito interno do personagem — um turbilhão de culpa, medo, raiva e vulnerabilidade. Toda essa potência emocional acaba também por humanizar ainda mais o papel de Eddie, vivido por Stephen Graham, que encabeça o debate sobre culpa e a responsabilidade dos pais diante daquilo que seus filhos podem vir a se tornar.

Com quatro episódios de cerca de uma hora, todos gravados inteiramente em plano-sequência — ou seja, em um único take — a produção já nos choca no primeiro episódio ao deixar claro que Jamie é, de fato, o assassino de Katie. Não estamos diante de uma narrativa policial convencional, na qual se tenta descobrir quem matou ou como aconteceu. O foco aqui é outro: o mundo ao redor de Jamie e de sua família. Esta não é uma série sobre investigação criminal, mas uma dolorosa reflexão sobre a falência da educação, os malefícios da internet e a perda da inocência infantil. A força da série está justamente em sua abordagem direta e corajosa, que abre espaço para discussões viscerais sobre masculinidade tóxica, a romantização de ideologias extremistas online e, inclusive, o universo da manosfera, através da problématica “teoria 80/20”. Adolescência não quer apenas contar uma história, quer escancarar uma realidade urgente.

Provocativa, sombria e necessária, Adolescência é uma série instigante, mas que exige maturidade emocional e intelectual para ser bem compreendida. Ela serve como alerta sobre a influência de discursos extremistas na formação da identidade dos jovens na atualidade e chama seu publico para uma discussão sobre a juventude e sua relação com a internet, afeto, masculinidade e pertencimento. Uma produção que pode ser perigosa se vista sem senso crítico, mas que sabe exatamente sobre o que está falando, entregando o inesperado sem decepcionar, apesar de ter vários problemas na construção, no ritmo e na abordagem de seus personagens secundários. A série finaliza deixando o mundo abalado com as revelações que trouxe a tona, os pais desestruturados ao perceber quão perigosa pode ser a falta de proximidade com seus filhos, e Hollywood esbasbacada com a poderosa atuação de Owen Cooper, que, definitivamente, se transforma em um nome para ficar de olho nos próximos anos.

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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