Review | American Gods [Season 2]

Nota
3

“Isso foi real? Aconteceu mesmo?”

Depois do pequeno confronto que aconteceu durante a festa de Easter, a busca de Mr. Wednesday pelo recrutamento de mais dos Velhos Deuses continua, agora ele sai em comitiva com Shadow, Laura e Mad Sweeney para a grande reunião que vai decidir se a guerra vai ou não acontecer, a mesma reunião que culmina com a morte de uma figura muito amada para todos.

Chegando com mais oito episódios, de cerca de 50 minutos, em sua segunda temporada, a série que adapta a famosa obra de Neil Gaiman começa a se distanciar ainda mais de seu material original, mesmo que seja claro que o livro ainda é o mapa que, discretamente, guia os rumos da série. A nova temporada da série do canal Starz, transmitida mundialmente pelo Amazon Prime Video, começa com “House on the Rock“, um marcante episódio que mostra que a série está pronta para adaptar os momentos mais apoteóticos do livro, adaptando de forma regozijante a grande cena do carrossel que leva aos Bastidores. É com esse novo começo que começa a ficar claro o quanto os planos de Jesse Alexander é dar um novo rumo à história que começou a ser contada por Bryan Fuller e Michael Green, que abandonaram a produção da série, e nos levar a uma grande história ladeada por bastante deuses.

A nova temporada nos leva mais a fundo nas histórias de Laura e de Mad Sweeney, levando os personagens a enfrentar muitos dilemas pessoais e, com isso, evoluir na trama de uma forma perigosa, nos levando a um patamar onde a incerteza dos objetivos do showrunner se torna o maior medo. A trama de Bilquis também começa a ficar mais presente, mostrando que colocar uma das personagens mais menosprezadas do livro no elenco regular foi uma boa escolha, mas ainda assim nos deixando com um pé atrás sobre os planos de Alexander. Quem também começa a ganhar mais presença de tela é o Mr. Nancy, que chega mais acido e revoltado do que nunca, pronto para inflamar a guerra com toda a raiva que sente pela forma como os negros vêm sendo tratados nesse mundo moderno. Somos apresentados ainda a Mama-Ji, a sábia versão americana da poderosa deusa Kali, que agora vive nos restaurantes indianos de beira de estrada e que parece adicionar muito conteúdo intelectual à trama, mais um ponto para Alexander, que pegou mais uma personagem escanteada e deu um brilho que nos cativou. Além desses, temos ainda as participações de diversos velhos deuses, que pontuam a trama e mostram sua presença, deixando material suficiente para uma futura volta, como é o caso de Ahura MazdaAme-No UzumeDvalin, entre tantos outros.

Do outro lado da guerra, temos também grandes mudanças. Vemos que o lado birrento e prepotente de Technical Boy aflorar, deixando ele muito mais perto do que tínhamos no livro, apesar de ainda não ser tão odioso quanto o original. Mr. World passa por uma crescente, se mostrando mais poderoso e presente na trama, mas ainda assim não parecendo ser um vilão aos pés do que está sendo construído, o personagem de Crispin Glover passa a ser subaproveitado na temporada, tendo ações pontuais que impulsionam a trama mas não tem um impacto real no decorrer do enredo. Mostrando os impactos maiores da saída de Fuller e Green, tivemos a saída de Gillian Anderson do elenco, o que fez com que Media acabasse morrendo por trás das câmeras para, por meio de uma evolução, ressurgir como New Media, a deusa das mídias sociais, conteúdo global e da internet, que passa a ser interpretada por Kahyun Kim, e acaba sendo construída como a personagem mais odiosa da temporada, com uma personalidade irritante que não nos cativa e cenas deprimentes de evolução, que parecem jogar a personagem, de forma bipolar, entre os desejos de derrubar Mr. World, superar Technical Boy e servir Mr. World. Outra personagem criada para a temporada é Columbia, a personificação do espirito americano (antes do surgimento da Estátua da Liberdade), que se aliou a Wednesday no passado, mesmo sendo uma Nova Deusa, mas logo foi se tornando obsoleta, protagonizando uma trama que nos leva a conhecer Telephone Boy (uma versão passada de Technical Boy) e Donar Odinson (a versão americana do deus Thor), que acaba nos surpreendendo na trama de “Donar the Great” (2×06), um episódio unicamente focado em explicar sua morte (algo que só foi vagamente citado no livro).

Cheia de referencias, a segunda temporada do show apresenta uma trama bastante estagnada e sem brilho, mesmo nos apresentando a deuses como Argos, que evoluiu, assim como Vulcano, e se tornou o Deus da Vigilância, e uma referencia a Fat Charlie Nancy, a série não consegue ser tão interessante como sua temporada anterior, que garantiu uma renovação já no segundo episódio. Apesar de tratar profundamente sobre preconceito racial, o controle pelo medo e a evolução da tecnologia, a ausência do visual espetacular característico de Fuller tira bastante da graça do show. Mesmo evoluindo ao explorar muito mais da mitologia dos deuses e apostando em um roteiro mais didático, que bebe profundamente na inteligência de Gaiman em relacionar o passado dos deuses com os acontecimentos marcantes do mundo, o roteiro parece estar o tempo todo prometendo uma guerra que nunca chega, que parece que nunca vai chegar, dando um tom de filler a cada um dos episódios dessa temporada, onde vemos muito mais evolução e muito menos ação, muito mais apresentação e muito menos avanços. Temos uma rápida aparição de Sam Black Crow, uma personagem que tem uma grande importância no decorrer do livro e nos deixa uma expectativa para o futuro da série, assim como temos a valorização da relação de Jinn/Ifrit (Mousa Kraish) e Salim (Omid Abtahi), que mostra um lado mais humano para o ser mítico e, mesmo que aconteça em segundo plano, parece dar uma força no decorrer da série.

O elenco segue de altíssimo nível, principalmente pelo belo protagonismo de Ricky Whittle, que nos traz um Shadow Moon perdido em sua própria psique, mesmo que ator seja vítima do roteiro fraco, ele ainda desponta e chama nossa atenção. Yetide Badaki continua dando um show como Bilquis, dando uma força ainda maior para a presença da Rainha de Sabá, ela se mostra poderosa, frágil, determinada e misteriosa, nos deixando o tempo todo na dúvida sobre de qual lado ela está jogando, e sobre como um ser com um poder tão grande pode ter sido levado a se tornar uma simples prostituta canibal. Ian McShane segue sem tanto brilho, ele é o rei nesse jogo de xadrez que é a guerra, mas parece que seus peões são mais presentes do que suas jogadas, fica claro o quanto Odin é ardiloso e o quanto ele está ali para vencer, mas suas atitudes começam a criar duvidas em nós, começamos a ficar com uma pulga atrás da orelha sobre suas verdadeiras intenções. O Leprechaun de Pablo Schreiber tem espaço suficiente para crescer, começamos a conhecer mais sobre seu passado e sobre suas motivações, mas sua fixação pela moeda que está no peito da Esposa Morta acaba ficando cansativo, perdendo muita da força que ganhou com sua trama da primeira temporada. Falando em Esposa Morta, Emily Browning tem a chance de evoluir bastante a persona de Laura, vemos muito mais espaço de tela para a atriz e muito mais de toda a malicia e impureza que cabe a Laura Moon, ela começa a mostrar muito mais do seu egoísmo enquanto precisa se questionar o verdadeiro motivo de ter voltado a vida, alimentando ainda mais sua fixação por Shadow.

A segunda temporada de American Gods não é ruim, mas fica claro que suas poucas qualidades não são suficientes para salvar sua trama. Ficamos o tempo todo vendo os deuses conspirando, articulando, se armando, mas nunca agindo, e é essa falta de ação que faz a série se tornar tediosa, mesmo para aqueles que estão prontos para seu teor filosófico, cheio de metáforas e metalinguagem, que vai sendo arrastado até “Moon Shadow” (2×08), uma season finale corrida e confusa, que apresenta uma virada relevante e deixa no ar um potencial que pode ser muito bem explorada nas mãos de um novo showrunner, que priorize uma narrativa mais cativante e se esforce para trazer uma produção mais atraente e ágil, corrigindo todos os erros.

“Todo fim é um novo começo.
Seu número da sorte é nenhum.
Sua cor da sorte é a morte.
Lema: tal pai, tal filho.”

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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