Nota
Baseada no romance Anne of Green Gables, da escritora Lucy Maud Montgomery, na série conheceremos Anne, uma órfã que teve uma infância abusiva entre orfanatos e lares adotivos. Toda a história se passa no final do século XIX, época em que as crianças trabalhavam desde muito novas para ajudar com as despesas, além de, em alguns casos, ser um forma de “agradecer” aos cuidados que recebiam, visto que eram considerados fardos por seus pais. É por isso que os irmãos Marilla (Geraldine James) e Matthew Cuthbert (R.H. Thomson) decidem adotar um garoto, para ajudá-los nos trabalhos braçais de Green Gables, já que estão ficando velhos. Por engano, eles recebem Anne e, mesmo que no primeiro momento adotar uma garota não seja uma boa ideia, logo se apaixonam pelo carisma, inteligência e imaginação da pequena órfã.
Anne with an E é uma série delicada e envolvente. Tudo nesta produção é entregue na proporção certa, sem exageros. Apesar de o primeiro episódio ser longo (o que pode causar um desconforto numa primeira impressão), o telespectador tem um “filme” sobre tudo o que precisa saber para não se perder nos próximos episódios. Aqui, vemos muito mais a realidade de Anne e a decepção dos Cuthberts ao receber uma garota para adoção. Já nos episódios seguintes, veremos o aprofundamento dos personagens e a nova rotina da jovem órfã, que passará a ter uma família.
Amybeth McNulty é a atriz que faz a Anne e nos entrega uma atuação sem defeitos! A Anne é uma garota apaixonante, uma órfã que, por viver muito solitária, usa a imaginação como forma de fugir de sua realidade. Às vezes, fala demais e é irritante, mas impossível se deixar levar por esses pequenos defeitos. Por mais encantadora que seja a personagem, vemos um lado sombrio dela, o seu passado, onde a menina era abusada em seus lares adotivos. E isso cria uma conexão imediata entre o telespectador e a personagem. Inclusive, este é o principal motivo pelo qual os Cuthberts resolvem adotá-la. Se enganam os que acham que após encontrar um lar, os problemas da garota serão resolvidos. Agora, ela precisará enfrentar os preconceitos, os comentários maldosos acerca de sua aparência, os conflitos de classes entre os novos colegas e, por último, mas não menos importante, tentar superar o traumas causados pelas famílias as quais passou (se é que isso é possível).
Além de Anne, temos a Marilla, uma personagem muito bem desenvolvida e cheia de camadas. É interessante observar o amadurecimento da personagem, e isso é causado pelo aparecimento da menina. Isso fica bem evidente ao percebemos questionamentos da senhora diante de situações que envolvem sua tutelada, como, por exemplo, o papel da mulher na sociedade e a emancipação feminina. E o Matthew é totalmente o contrário da irmã. Durante boa parte de cena, percebemos um homem que é afetuoso e bom, um pouco passivo às vezes, mas isso não é de todo ruim, visto que evita conflitos. No final da temporada, percebemos um personagem que sente a obrigação de trabalhar, principalmente por ser homem. É possível perceber um crescimento no personagem ao aceitar que Marilla e Anne tomem conta da fazenda e das economias.
Na série, somos apresentados a um pequeno recorte social da época: uma sociedade estratificada onde mulheres e homens têm um papel social bem definido e raramente mutável. Porém, mesmo em um contexto social que abre “pouco espaço para a imaginação” (como a própria Anne diria), vemos elementos atuais sendo explorados, mesmo que seja de forma sutil. E uma palavra que define bem toda a série é sutileza, principalmente por tratar assuntos que, hoje, são tabus; sutileza em mostrar que uma mulher pode fazer suas próprias escolhas, independente da idade e da sociedade em que vive; sutileza em nos entregar uma protagonista fora do padrão, fazendo-nos enxergar beleza onde dificilmente muitas pessoas veriam.
Anne whit an E pode estar meio perdida dentro do catálogo do serviço de streaming e não receber a divulgação merecida, mas é um achado e tanto, caso você encontre-a (e recomendamos isso!). Um ponto que podemos considerar negativo é o final abrupto com um gancho meio ruim e negativo para uma próxima temporada. Mas isso não tira a perfeição da adaptação. Mesmo sendo baseada em livros infantis, a produção traz grandes ensinamentos, bons questionamentos e nos mostra o quanto precisamos ter esperanças, mesmo em situações difíceis.
https://www.youtube.com/watch?v=jvlLrzADcb0
Jadson Gomes
Universitário, revisor. E fotógrafo nas horas vagas.