Review | Arcane: League of Legends [Season 1]

Nota
5

Na imensidão de mundos fictícios, poucos conseguem atingir o nível de profundidade emocional e estética que cativa tanto os olhos quanto o coração. Esse raro equilíbrio entre forma e conteúdo é o que torna algumas obras eternas, repletas de camadas que só se revelam com o tempo. Quando uma produção consegue traduzir o impacto cultural e emocional de um universo já vastamente amado, o resultado transcende as expectativas e redefine os padrões para adaptações de videogames.

Arcane: League of Legends, série baseada no famoso jogo da Riot Games, transporta o público para o complexo universo de Runeterra. A série, dividida em três atos, não apenas explora a rivalidade entre as cidades-irmãs, Piltover e Zaun, construindo um panorama de suas intrincadas dinâmicas sociais, econômicas e políticas. Piltover, com sua opulência tecnológica e moral dúbia, contrasta diretamente com Zaun, uma cidade subterrânea repleta de desespero, resiliência e revolta. Nesse cenário dualista, acompanhamos a trajetória de Vi (Hailee Steinfeld) e Powder (Ella Purnell), duas irmãs marcadas por traumas, escolhas dolorosas e o peso de um destino entrelaçado com o colapso iminente de suas cidades.

No centro da narrativa está a dicotomia entre progresso e destruição. Em Piltover, Jayce (Kevin Alejandro) e Viktor (Harry Lloyd) lideram a revolução científica por meio da Hextech, uma tecnologia promissora, mas potencialmente perigosa. Do outro lado, nas sombras de Zaun, Silco (Jason Spisak) emerge como um revolucionário manipulador, mas surpreendentemente humano, enquanto luta para consolidar seu poder e alimentar um sonho utópico para os marginalizados em contraste com a ideologia de manutenção da suposta paz criada por Vander (J.B. Blanc), o respeitado líder da comunidade. A relação entre essas figuras principais é orquestrada de forma magistral, criando um equilíbrio entre tensão política, tragédia pessoal e uma reflexão sobre os limites da ambição.

Visualmente, Arcane é um espetáculo em todos os sentidos. Cada frame é uma obra de arte, com a Riot Games e o estúdio Fortiche Production entregando uma animação que redefine os padrões do gênero. A mistura de estilos, combinando técnicas tradicionais com animação digital, resulta em uma estética única que captura tanto a grandiosidade de Piltover quanto a melancolia industrial de Zaun. As transições entre cenas são fluidas e inovadoras, utilizando a iluminação, as cores e até mesmo elementos de design gráfico para amplificar a narrativa e imergir o espectador nesse mundo fascinante.

O elenco de vozes é outro destaque. Hailee Steinfeld dá vida a Vi com uma intensidade bruta que equilibra força, vulnerabilidade e lealdade, enquanto Ella Purnell transforma Powder/Jinx em um turbilhão de emoções, oscilando entre inocência perdida e uma insanidade devastadora. Jason Spisak, por sua vez, confere a Silco uma complexidade inesperada, transformando-o de um antagonista em um personagem multifacetado, movido por ambições genuínas e um senso distorcido de justiça. Kevin Alejandro e Harry Lloyd são igualmente impressionantes como Jayce e Viktor, representando de maneira convincente os dilemas éticos e pessoais que moldam suas jornadas.

No entanto, o verdadeiro coração da série está em sua narrativa. A obra aborda temas como a luta de classes, o impacto do progresso tecnológico e as cicatrizes do abandono e da perda. A relação entre Vi e Jinx encapsula a essência da história, explorando a fragilidade dos laços familiares diante de escolhas impossíveis. Cada personagem, mesmo os secundários, contribui para enriquecer o enredo, tornando a experiência mais densa e emocionalmente envolvente.

Apesar de seu sucesso estrondoso, Arcane não é perfeita. Alguns arcos narrativos, como os de Caitlyn (Katie Leung) e Mel (Toks Olagundoye), poderiam ter recebido mais profundidade, especialmente considerando sua importância para a trama principal. Além disso, a transição entre os atos pode parecer abrupta em certos momentos, algo que, embora compreensível no formato de lançamento episódico, pode causar estranheza para quem assiste de forma contínua.

A trilha sonora é um espetáculo a parte, com músicas que vão desde o hip-hop ao eletrônico, pontuando momentos-chave com uma energia pulsante. Imagine Dragons, Sting e outros artistas contribuem para criar um pano de fundo sonoro que complementa e eleva a narrativa, tornando algumas cenas ainda mais inesquecíveis.

O que diferencia Arcane de tantas outras adaptações é sua coragem de ir além do esperado. Em vez de se limitar a agradar os fãs de League of Legends, a série expande o universo de forma a torná-lo acessível e atraente para novos públicos. É uma obra que honra suas origens enquanto se firma como uma experiência independente e inovadora.

No fim das contas, Arcane não é apenas uma adaptação bem-sucedida; é um marco na narrativa audiovisual. Com sua combinação de animação de ponta, performances memoráveis e uma história profundamente humana, a série se estabelece como um exemplo do que pode ser alcançado quando arte e entretenimento se unem em perfeita harmonia. Uma obra que merece ser revisitada e celebrada, tanto pelos fãs de longa data quanto pelos que estão descobrindo esse universo pela primeira vez.

 

Pernambucano, jogador de RPG, pesquisador nas áreas de gênero, diversidade e bioética, comentarista no X, fã incontestável de Junji Ito e Naoki Urasawa. Ah, também sou advogado e me arrisco como crítico nas horas vagas.

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