Review | Black Mirror [Season 1]

Nota
4.5

“Às quatro horas da tarde de hoje, o Primeiro-Ministro Michael Callow deve aparecer ao vivo na televisão britânica,
em todas as redes terrestres e via satélite, […] e ter uma relação sexual real e não simulada com um porco.”

Um mundo onde a tecnologia é o grande antagonista, isso é Black Mirror, uma série britânica antológica de ficção científica criada, em dezembro de 2011, por Charlie Brooker, construindo uma surpreendente rede de tramas obscuras e satíricas, que sobrevoam a sociedade moderna e expondo as consequências imprevistas das novas tecnologias.

Com seu piloto, exibido em 4 de dezembro de 2011 pela Channel 4, temos o dramático e chocante arrebatamento do público para uma das tramas reflexivas mais chocantes que se poderia imaginar. “The National Anthem” começa após a Princesa Susannah, que é membro da família real britânica, ser sequestrada, um inesperado sequestro onde sua liberdade depende apenas de o primeiro-ministro do país, Michael Callow, cumprir a única exigência do sequestrador: ter relações sexuais com um porco, na televisão e ao vivo. A trama inteira gira em torno do impacto que a internet tem nesse sequestro, a imprensa é pressionada pelo público a noticiar ao mesmo tempo que é censurada pela coroa, as redes sociais propagam a noticia de uma forma absurda, tudo isso enquanto a opinião pública começa a se virar contra o primeiro-ministro e as forças de segurança tentam, a todo custo, localizar o sequestrador.

Uma perturbadora declaração sobre grande obsessão das pessoas com a mídia, o episódio esnoba da realidade em que estamos presos, onde tudo parece distante de nossa realidade pelo simples de estar do outro lado da tela, onde a vida é moldada pela opinião dos outros, onde a conectividade guia as pessoas a, no calor do momento, inverter seus valores, apoiar certos atos abomináveis e se tornarem friamente hipnotizados pela perversa obscuridade da humanidade. Um episódio tão denso e cheio de facetas críticas precisava ser protagonizado por um ator excepcional, e com toda a certeza ele achou em Rory Kinnear a personificação perfeita das inúmeras camadas de seu protagonista, ele consegue deixar claro todos os sentimentos que permeiam a mente do primeiro ministro, toda a confusão e toda a sua busca por um norte, por entender o que a população quer e, por conta das obrigações do jogo politico, acabar tendo que deixar de lado seus valores.

“Fifteen Million Merits”, segundo episódio da temporada, chega em 11 de dezembro de 2011 para surpreender. Nos jogando em uma realidade distópica, o episódio nos coloca de frente com Bing, um homem que vive preso a uma sociedade fechada, completamente automatizada, onde todos pedalam em bicicletas imóveis geradoras de energia em troca de Méritos, a moeda local usada para comprar qualquer coisa que eles precisem (até para pular os comerciais que aparecem no meio das programações ou para usar algum dos programas ou jogos da programação diária). Sua rotina muda completamente quando ele ouve Abi Khan cantando no banheiro, e se apaixona por ela, doando quinze milhões de seus Méritos para que ela possa comprar um ingresso para um show de talentos, onde possa cantar em frente aos juízes, o levando a viver uma grande queda emocional e psicológica.

Se tornando um marco na carreira de Daniel Kaluuya, esse episódio pode muito bem ser considerado como um dos responsáveis de o arremessar no estrelato, que ele alcançou posteriormente com Get Out. O Bing de Kaluuya é avesso ao seu sistema, ele se mostra cansado da bicicleta, como se tivesse apenas preso àquele mundo e em busca de sair de seu cubículo a todo custo. A inconformidade que fica clara no rosto de seu personagem é um dos grandes responsáveis por nos atrair, nos deixar curioso para o que vem a seguir e nos preparar para a grande evolução que o personagem possui. A Abi de Jessica Brown Findlay é outro destaque da trama, ela é o claro exemplo da vítima da fama, ela tem um sonho e acaba sendo levada a o lado obscuro da fama enquanto tenta fugir de sua prisão, ela quer deixar de ser apenas uma garota da bicicleta, mas acaba sendo levada para um caminho que não esperava, levando Bing junto com ela. Uma linda alegoria à busca do significado da vida, a trama deixa claro que quer apenas tornar você ciente do futuro tão horrível que nos espera, se tornando uma peça rara na TV enquanto enfeita seu enredo com a clara frieza das telas de TV, avatares zombadores e juízes de reality show manipuladores, uma vida sufocante que, infelizmente, é a nossa vida, mesmo que não estejamos percebendo.

A temporada se finaliza com “The Entire History of You”, nos levando a um futuro próximo onde todos os habitantes fazem uso do Grão, um pequeno chip atrás da orelha, um dispositivo que grava tudo que cada um deles vê e ouve, dando a cada um deles a possibilidade de rever suas experiências e compartilha-las com outros. Nesse contexto está Liam Foxwell, um jovem advogado que, após participar de uma entrevista de emprego que o faz não se sentir bem, vai para um jantar de amigos de sua esposa, Ffion, a surpreendendo. Um noite que poderia ser de relaxamento, mas acabou virando um desastre depois que Liam começa a suspeitar do comportamento de sua esposa perto de um dos amigo dela, chamado Jonas, o que os leva a uma enorme DR, banhada em bastante ciúmes, com uso (e abuso) dos Grãos.

Depois de um intenso, e doloroso, episódio sobre politica e um reflexivo, e imersivo, episódio sobre o sentido da vida, o terceiro, e último, episódio da temporada vai a fundo na vida a dois, na questão da confiança e, principalmente, no limite de uma relação. Toby Kebbell dá um show no papel de Liam, ele precisa confrontar questões de caráter e de ciúmes quando começa a suspeitar que há um passado entre Ffion e Jonas, e cada nova descoberta começa a levar o personagem num colapso moral palpável, ele precisa saber a verdade ao mesmo tempo que precisar aguentar a dor que essa verdade traz, nos fazendo refletir nos diversos pontos criminosos que essa tecnologia pode ter, até onde é bom poder rever, como em vídeo, os momentos que estão gravados na sua memoria? Até onde é bom poder mostrar aos outros? Até onde você pode ir para descobrir um segredo? Até onde você é capaz de suportar os detalhes de uma traição? Uma participação impecável para Kebbell e uma carga gigantesca para Jodie Whittaker, que teve a função de expor inúmeras camadas em sua personagem, dando vários traços a medida que íamos vendo sua construção, feita quase que inteiramente durante a discussão do casal.

Charlie Brooker inova nossos conceitos sobre a tecnologia com sua antologia, nos levando a encontrar um elenco diferente, um cenário diferente, até mesmo uma realidade diferente por episódio, lutando para abrir nossos olhos sobre a forma que vivemos agora e a forma que podemos estar vivendo daqui a 10 minutos ou 10 anos. A grande frieza da sociedade frente à tecnologia é o grande ponto que Brooker quis exaltar em seus três episódios de cerca de 1 hora, vamos viajando pelas interações humanas com a tecnologia e, pouco a pouco, somos levados a encarar a alienação causada pela televisão de The National Anthem, refletir sobre o predatismo do consumismo compulsório de Fifteen Million Merits e repensar a moral e o limite da curiosidade através do tóxico enredo de The Entire History of You. Uma grata surpresa em forma de série que é capaz de cativar e amedrontar qualquer um que decida se deleitar.

 

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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