Nota
As margens de uma estradinha de terra um carro está parado, um homem ignora as ligações que está recebendo. Apreensivo e assustado, sai do veículo e parte em direção à floresta caminhando aparentemente sem rumo até chegar a uma cachoeira, aos prantos e ainda mais desesperado, suplica pelo perdão de alguém e então… ele pula.
Desalma nos apresenta o vilarejo de Brígida, uma comunidade de imigrantes ucranianos abalada com o suicídio de um dos seus. No meio desse caos, Giovana (Maria Ribeiro) e suas duas filhas são obrigadas a viver na cidadezinha onde seu ex marido cresceu, sendo bem recebidas por todos, afinal, em Brígida todos são próximos de alguma forma, mas nem tudo são flores e todos parecem esconder um grande segredo. Envolta em mistérios e ocultismo, a série é uma das grandes apostas nacionais do Globoplay.
A trama criada por Ana Paula Maia nos remete ao terror internacional, trazendo um pouco da cultura pagã ucraniana e a mesclando com elementos do catolicismo, sem ofender em nenhum momento as duas crenças. Devido à proximidade entre as culturas europeias, em alguns momentos, as alegorias utilizadas na composição da série lembram muito Midsommar, e funcionam muito bem para envolver o espectador. Além disso ainda temos o mistério, que vai sendo revelado à conta gotas, instigando e fomentando as mais diversas teorias.
A fotografia é impecável, além do enquadramento magnífico, rendendo elogios no Festival Internacional de Cinema de Berlim, a escolha da locação não poderia ser melhor. As macabras matas de araucárias e suas trilhas sinuosas e confusas ajudam a aumentar o desespero e a confusão, aliado a isso vamos descobrindo detalhes do passado dos personagens e compreendendo melhor o misticismo em que a trama se envolve.
O foco principal da primeira temporada é sem duvidas o Festival Ivana-Kupala, um rito pagão relacionado à fertilidade que foi absorvido pelo calendário dos cristãos ortodoxos. 30 anos atrás, uma jovem foi morta no dia do evento, causando o banimento das festividades na cidade, culminando com todos os eventos inexplicáveis que estão acontecendo, a tradição será revivida, quais os males que a noite mais escura do ano poderia guardar?
A história mostra três mulheres, acima de tudo, três mães que são afetadas de várias maneiras pelo que está acontecendo na cidade.
Cássia Kis dá vida a Haia, vivendo a margem da sociedade de Brígida, ela precisa sobreviver dos trocados que ganha ao ler as cartas e fazer simpatias. Fazendo um trabalho impecável, a atriz consegue manter o espectador focado, com um ar sombrio e místico, não mede esforços para mostrar a dureza da vida.
Cláudia Abreu é uma excelente atriz, e isto não é nenhuma novidade. Apresentando Ignes, a esposa de um dos homens mais poderosos da cidade, que faz de tudo pelo bem de sua família e que sofre com uma severa depressão causada por acontecimentos sombrios em seu passado.
Maria Ribeiro, atriz conhecida por seus papéis em grandes novelas como Escrava Isaura e Império, apresentou com maestria Giovana, a viúva que acabou de perder o marido e precisa cuidar da casa e das filhas sozinha, e se vê envolta nos problemas e segredos da família de seu ex marido, além dos próprios problemas que ele deixou.
Seguindo com o enredo somos apresentados a versões mais jovens de alguns personagens. Anna Melo mostrou toda a beleza e misticismo de Halyna, uma jovem sonhadora e dedicada, que se aproximou ainda mais de sua mãe após o falecimento do pai. Trazendo a intensidade que a personagem demandava, a atriz estreante mostrou que este é apenas o início de sua carreira.
Eduardo Borelli deu vida ao jovem Roman, o personagem que deu início a trama ao pular da cachoeira, o garoto mais popular e bonito da escola e que namora Halyna. O ator trouxe um ar sedutor e misterioso ao personagem, o que funcionou muito bem durante a trama. A jovem Ignes ganhou vida pelo trabalho de Valentina Ghiorzi, mais um dos grandes achados da série, uma jovem gentil que ama seu irmão e sua melhor amiga. A atriz teve o desafio de ser a versão mais jovem da personagem de Cláudia Abreu, com o uso majestoso da emotividade da personagem, a jovem se destaca dos demais.
Voltando ao presente, dois personagens se destacam de maneiras diferentes. Camila Botelho é a mais velha das filhas de Giovanna e Roman, Melissa, que aos poucos vai se mostrando e crescendo como personagem. De forma geral a atuação foi mediana (assim como a de todos os personagens adolescentes do presente), mas ainda assim se destacou graças ao crescimento que a personagem recebe durante a trama.
Anatoli, filho de Ignes, ganhou vida pelas mãos do jovem, mas muito talentoso João Pedro Azevedo. O ator mirim entregou uma atuação digna de grandes filmes de terror como, por exemplo, A Órfã, o personagem vai trazendo camadas e camadas de desenvolvimento, e chega a ser difícil acreditar que um ator tão jovem entregou um trabalho primoroso.
Apresentando algumas atuações medianas, Desalma nos entrega um deleite visual vinculado ao misticismo de uma cultura desconhecida pelo público geral e impactando com cada peça do quebra cabeça misterioso que é apresentado aos poucos ao espectador, deixando espaço suficiente para a criação de teorias. O Globoplay não confirmou uma segunda temporada, até o momento.
Matheus Soares
Graduado em Biológicas, antenado no mundo geek, talvez um pouco louco mas somos todos aqui!