Nota
“Tomai, todos, e bebei: este é o meu sangue. O sangue da nova e eterna aliança, que será derramado que será derramado por vós e por todos.”
A vida de Riley Flynn desmoronou depois que, bêbado, ele causou um acidente de carro que terminou com a morte de uma jovem. Quatro anos de prisão depois, Riley retorna a Ilha Crockett, sua cidade natal, para reencontrar com sua família e reconstruir sua vida, encarar antigos demônios, antigos amores e novos desafios. Um dia antes da chegada de Riley, a pequena ilha recebia o Padre Paul Hill, um novo padre enviado pela diocese para substituir o Monsenhor John Pruitt, o antigo padre da ilha que acabou indo para o continente com uma grave doença e não retornou. A época da chegada dessas duas pessoas tão comuns acaba marcando a ilha, na mesma semana uma tempestade inesperada atinge a ilha e, junto com ela, uma série de incidentes sobrenaturais começa a acontecer na pacata cidade, trazendo milagres, desaparecimentos, assombros e mortes.
Depois do grande sucesso de A Maldição da Residência Hill e A Maldição da Mansão Bly, chega o momento de Mike Flanagan tirar da gaveta um antigo projeto e mostrar novamente todo seu potencial com mais uma minissérie de terror pronta para ser aclamada pela crítica. Criado há anos por Flanagan, e rejeitado em 2014 pela Netflix, o projeto precisou ficar de lado até 2019, quando a série foi oficialmente anunciada pela empresa de streaming com roteiro, direção e produção de Flanagan, uma minissérie de sete episódios de cerca de 1 hora que parece beber bastante de A Hora do Vampiro e tem seus episódios baseados em livros da Bíblia que parecem resumir claramente a trama de cada um deles. Misturando o terror de sua trama com elementos de drama e romance, o filme mira seu foco em questionamentos importantes como a fé cristã pode ser transmutada de um instrumento de cura e graça em uma demonstração de perversão religiosa e expressão das mais assustadoras patologias morais e psicológicas, nos fazendo questionar desde o primeiro episodio qual a verdade macabra por trás da chegada do padre.
O antagonismo exercido pelo Riley de Zach Gilford e o padre de Hamish Linklater é claro a cada novo capitulo, de um lado temos um ex-presidiario que perdeu a crença em Deus e que abandonou o álcool, ele rapidamente se torna um alvo do Padre, que busca trazer aquela ‘Ovelha Negra’ de volta a seu rebanho. Do outro lado temos um Padre cheio de segredos, ele parece saber demais sobre os habitantes da Ilha Crockett, ele parece disposto a mudar a vida de todos de formas bizarras e parece ter um grande envolvimento com a criatura tenebrosa que está rondando as noites da cidade. Toda a obscuridade do Padre só se fortalece por conta de Bev Keane (Samantha Sloyan) e Sturge (Matt Biedel), os fieis escudeiros de Paul e que, de forma mórbida, estão dispostos a ajudar o Padre a ocultar todos os seus atos maléficos. Kate Siegel repete a parceria padrão com Flanagan (que a levou ao elenco de Oculus, Hush, Jogo Perigoso, Ouija 2, Residência Hill e Mansão Bly) e entrega como Erin Greene uma das melhores personagens do show, a filha prodiga da Ilha Crockett, que retornou grávida e vive uma das jornadas mais empolgantes da trama, nos presenteando com uma personagem forte, decidida e que desponta mesmo acima dos dois protagonistas da série.
Indo além do obvio para criar uma produção de terror de primeira linha, Missa da Meia-Noite pode facilmente ser considerada uma das melhores séries de terror da atualidade, fazendo uma metáfora entre fé e medo que nos leva a encarar a forma como cada um de seus personagens se relacionam com a fé. O show brinca com o publico ao flertar com estilos de terror que lembram King, Baker, Carpenter e muitas referencias do currículo de Flanagan, trazendo em “Gênesis” (episodio 1) uma incerteza sobre o que realmente vamos encontrar adiante, nos deixando inicialmente às cegas sobre de onde irá surgir o terror, se virá de bruxas, de seitas, de fantasmas, como o Padre vai se encaixar na equação e transformar a Igreja de St. Patrick numa enorme deturpação da fé. Com apenas poucas cenas de sustos e muito mais monólogos super elaborados, a produção é composta por vários rostos conhecidos vivendo personagens que carregam fardos complexos, que só se fortalecem por seu texto preciso, a fotografia impecável de Michael Fimognari e a trilha exuberante que mistura hinos cristãos reinventados com peças originais do The Newton Brothers. Não é a toa que podemos facilmente considerar “Os Evangelhos” (episódio 5) o mais emocionante do show e “Apocalipse” (season finale) um dos mais intensos, inesperados e eletrizantes.
Icaro Augusto
Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.