Review | Modern Family [Season 1]

Nota
4.5

O marido com ares de bobalhão. A dona de casa exemplar. A filha adolescente com objetivos fúteis. O pai fanfarrão. São estereótipos norte-americanos que sempre acompanharam boa parte das séries e dos filmes, independentemente da relevância no enredo, estão ali – seja para satirizar e criticar, seja para apenas um retrato. Comédias como “Married with Children” (1987 – 1996) e até dramas como “Brothers and Sisters” (2006 – 2010) usaram e abusaram dessa fórmula para atingir o objetivo crucial de um bom entretenimento: prender o espectador.

Em “Modern Family”, esses conceitos ganham vida numa roupagem debochada e satírica, que faz com que os personagens deem risada de seus próprios problemas, intencionalmente ou não. Logo no primeiro episódio, somos apresentados aos devaneios da família Pritchett, encabeçada pelo patriarca Jay. Bonachão e um tanto pouco conservador, Jay é casado com a bela colombiana Gloria, assumindo a paternidade – não oficialmente – do pré-adolescente Manny, o filho do primeiro casamento de Gloria. Além disso, ainda é pai de Claire e Mitchell, sogro de Phil e Cameron e avô de Haley, Alex, Luke e da pequena Lily. Uma árvore genealógica que aparenta ser confusa, mas que, aos poucos, se encaixa no seu devido lugar, graças à dinâmica entre os personagens e, consequentemente, os atores.

Christopher Lloyd e Steve Levitan, os criadores, fazem questão de aproximar a trama da mais absoluta realidade, criando situações que, por vezes, beiram ao constrangimento. Jay e Gloria, por exemplo, não são alvos de “piadas” da família, mas não são vistos com bons olhares na sociedade, como no episódio em que uma mulher deduz que Jay é pai de sua própria esposa. Não são ocorridos avulsos, tampouco sem nexo com a narrativa. São trechos espontâneos que refletem o próprio preconceito da sociedade contra casais de idades diferentes, de forma humorada e leve, sem cair numa caricatura desastrosa.

Além disso, facilita o diálogo entre gerações distintas, já que Jay, na casa dos 60, mantém alguns dilemas da idade, e seu contraste com modernidades acaba por divertir em certos momentos, além do seu intérprete Ed O’Neill (que, curiosamente, faz alusão a um outro pai que viveu na referida sitcom “Married with Children”) ter uma ótima química com Sofia Vergara, que sempre esbanja beleza e talento.

Saindo do núcleo de Jay, Gloria e Manny, chegamos ao de Claire e Phil. Em completa sintonia, os atores Julie Bowen e Ty Burrell parecem realmente feitos um para o outro. De personalidades opostas (ela, organizada e neurótica por limpeza; ele, desligado e até mais infantil que os filhos), os dois personagens se completam, cada um à sua maneira. É interessante o modo com o qual o roteiro constrói a relação de ambos e a torna humanizada, destoando o casal de um sentimento “clichê”, assim como o relacionamento com os filhos. Enquanto Claire é mais apegada às filhas, Phil e Luke têm mais entrosamento em cena – o que não significa que os 3 não recebam a mesma atenção. O melhor grupo familiar da série, sem dúvidas.

Se Claire tem uma ótima relação com o pai e até possui características parecidas com as da dele, isso não acontece com Mitchell, o filho caçula. Homossexual assumido, o advogado escondeu por anos a orientação, por medo da reação de Jay, o típico machão brucutu. Nesse contexto, a produção acerta quando cria uma barreira entre pai e filho, ao mesmo tempo em que os aproxima aos poucos, sempre em um tom que torna fácil o diálogo e faz com que muitos na condição de Mitchell se sintam representados. A relação do personagem com o namorado, Cam, tanto diverte, quanto irrita, nos trechos em que um parece competir com o outro. Aqui, vale destacar a hilária cena em que os dois apresentam Lily, uma bebê vietnamita adotada, à família, numa clara alusão à cena em que Simba da animação “O Rei Leão” é apresentado. É o início das várias referências cinematográficas que a série reserva ao público.

A parte infanto-juvenil da trama também demonstra preocupações típicas da fase, assim como os adultos. Enquanto a posição de “nerds” da família cabe a Alex, a filha do meio de Phil e Claire, e a Manny, o herdeiro de Gloria, a personalidade avoada e até rebelde fica a cargo de Haley e Luke, a primogênita e o caçula de Phil e Claire. Sempre metidos em alguma confusão do dia-a-dia, esbanjam carisma, principalmente Luke, e se tornam responsáveis por boa parte das risadas do espectador. Vale ressaltar ainda a naturalidade com a qual se tratam – ora às turras, ora com carinho. É a maneira que os autores encontram de aumentar ainda mais o vínculo entre a ficção e o real.

Mesmo com os perfis carismáticos e plots divertidos, a estratégia de criar uma espécie de documentário dentro da série se mostra a maior riqueza. Através de um mecanismo que remete à comédia “The Office” (2005 – 2013), o público acompanha os personagens não só pela direção, mas pela ótica que a câmera imaginária produz e que coloca os habitantes da família num “confessionário”, no qual dizem tudo o que não podem falar longe dele. Apesar da falta de risadas de fundo causar estranhamento, o recurso da câmera invisível é um grande acerto e arranca de quem assiste as maiores gargalhadas, principalmente quando acompanhadas de “desabafos” e envolvem, de certa forma, ainda mais as figuras que reinam na série. Vale destacar até o enredo de “Fizbo” (01×09), que pode facilmente se considerado um dos melhores episódios da temporada.

Por fim, “Modern Family” é um paralelo humorístico entre as relações familiares. Afinal, Gloria e Claire são as típicas esposas que não trabalham num seio que se autodenomina “moderno”, numa situação que pode até incomodar. São críticas ao patriarcado disfarçadas de contradições e que retratam com veracidade o modernismo de muitos aparatos familiares, da mesma forma que encontramos “piadas” que fogem à atualidade e ao senso, mas que tornam o humor crítico, principalmente nos trechos em que o sotaque de Gloria é visto como “zoação” e sua personalidade como explosiva. É uma ótima temporada inicial e que valoriza seus atores, principalmente Julie Bowen, Sofia Vergara, Eric Stonestreet (intérprete de Cam) e Ty Burrell, cujos personagens se responsabilizam pela maior parte das diversões do público, além das excelentes participações especiais dos renomados Elizabeth Banks e Edward Norton.

 

Apenas um rapaz latino-americano apaixonado por tudo que o mundo da arte - especialmente o cinema - propõe ao seu público.

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