Nota
Imaginem viver num mundo em que sua memória é dividida e, consequentemente, sua vida profissional e pessoal não se misturam? Em um futuro distante (mas bem real, é importante salientar), a Lumon cria um procedimento chamado “ruptura“, que separa cirurgicamente as memórias pessoais das memórias profissionais de seus funcionários. Dessa forma, os trabalhadores não têm lembranças de suas vidas fora do escritório e, fora dele, ignoram completamente o que acontece durante o expediente.
É assim que conheceremos Mark, um homem que aceita passar pelo procedimento com o objetivo de esquecer de uma grande perda por 8 horas do seu dia. Porém, tudo isso muda com a chegada de Helly R., interpretada por Britt Lower, que começa a questionar a ausência das memórias fora do ambiente corporativo e a verdadeira natureza do trabalho que eles exercem, que, inclusive, em nenhum momento fica claro para o público. À medida que algumas inconsistências da Lumon vêm à tona, as fronteiras entre as versões fragmentadas da equipe de Mark começam a colidir.
A primeira palavra que vem à mente quando pensamos nessa produção da Apple TV é incômodo, e isso ocorre desde os primeiros momentos da série. Com a direção de Ben Stiller em grande parte dos episódios, o show já dita o tom de toda a temporada desde o piloto: simetria, tédio, muitas perguntas e poucas ou nenhuma resposta, corredores intermináveis, a sensação de vazio, entre outros elementos. E o melhor: os questionamentos surgem já no primeiro episódio, permeiam toda a temporada e, principalmente, ganham força no episódio final. E que final! Sem dúvidas, um dos melhores que já vimos.
Além dos aspectos técnicos, é importante destacar a escolha do elenco. Adam Scott interpreta Mark, o protagonista da produção, entregando um personagem sério e apático, como se espera de um ambiente corporativo. Contudo, à medida que é influenciado por acontecimentos ao seu redor, ele começa a questionar os motivos que o mantêm ali. Apesar disso, Mark se mostra um personagem empático e honesto. Outro destaque é Britt Lower, cuja personagem, Helly, ganha atenção desde o primeiro segundo de tela. Nesse momento, percebemos que ela será uma figura desafiadora, incansável e determinada a lutar pelos direitos que acredita ter. Além disso, a relação entre Irving (John Turturro) e Burt (Christopher Walken) suaviza a tensão presente na empresa. Os atores trazem uma dose de afeto a um ambiente marcado por sua toxicidade. A química entre eles é inegável e rapidamente conquista a torcida do público – a nossa, inclusive!
Por fim, a produção não deixa de provocar reflexões sobre o que deseja transmitir, desde os ambientes tóxicos que aceitamos frequentar no trabalho até as relações construídas nesses mesmos espaços. Ruptura é uma distopia incômoda e brilhante sobre trabalho e identidade, acima de tudo, destaca que, em meio ao caos e à falta de reconhecimento, surgem aliados dispostos a lutar pelos seus direitos, especialmente o direito de escolha. Embora seja uma ficção, Ruptura reflete uma realidade que pode ser familiar para muitos. Certamente, já se consolidou como uma das grandes produções do streaming, com chances promissoras de se tornar um sucesso devido ao seu caráter atual e profundamente conectado com questões reais.
Jadson Gomes
Universitário, revisor. E fotógrafo nas horas vagas.