Review | Sense8 [Season 1]

Nota
5

“Você não é mais apenas você […] Há sete outros de você. Vocês podem acessar conhecimento, linguagem, habilidades uns dos outros.”

Quando é encontrada pelo Sussurros, o líder de uma organização criminosa, Angelica acaba se suicidando pouco depois de ativar a conexão de oito desconhecidos: Will Gorski, Riley Gunnarsdóttir, Capheus Onyongo, Sun Bak, Lito Rodriguez, Kala Dandekar, Wolfgang Bogdanow e Nomi Marks. Cada um pertencente a uma cultura e um país diferente, todos têm, simultaneamente, uma visão da violenta morte de Angelica e, a partir de então, começam a perceber que estão mentalmente e emocionalmente ligados um ao outro, sendo capazes de se comunicar, sentir e compartilhar conhecimento, linguagem e habilidades, o que os torna Sensates. Agora o grupo precisa aprender sobre as próprias origens, as próprias diferenças e as experiências passadas que possam uni-los, ao mesmo tempo que tentam aprender o que é ser um Sensate com um misterioso homem chamado Jonas Malik e passam a também ser caçados por Sussurros.

Numa conversa de fim de noite, as irmãs Lilly e Lana Wachowski debatiam sobre como a tecnologia nos une e nos divide ao mesmo tempo, e foi dessa conversa que surgiu o conceito que, mais tarde, iria se transformar numa série produzida por elas e J. Michael Straczynski. A proposta era criar algo que nunca tinha sido feito antes, do mesmo jeito que as irmãs tinham feito anos antes com Matrix, que se tornou uma grande influência para filmes de ação, mas que trouxesse o formato inteligente que Straczynski apresentou em Babylon 5, e foi assim que nasceu Sense8. Usando como base a relação entre a empatia e a evolução da raça humana, o trio criou uma proposta com escala global que parecia impossivel de ser abraçada por qualquer canal, até que foi comprada pela Netflix. Tendo sua primeira temporada com 12 episódios (inicialmente 10 episódios, mas devido a densidade dos roteiros, a Netflix pediu uma redivisão para 12), a série aborda temas como gênero, identidade, sigilo e privacidade, se inspira na ideia de amigos que vivem em diferentes partes do mundo mas se coordenam para fazer algo juntos para criar uma conexão mental que una os protagonistas. Com uma produção tão complexa, não era de se esperar que os personagens que a protagonizam fossem menos densos, apesar de a trama girar em torno do poder dos Sensates, o roteiro é inteligente o suficiente para entregar uma trama paralela e intima para cada um dos oito protagonistas, cada qual com seu problema pessoal que precisa ser resolvido e, momentaneamente, acaba contando com a ajuda de um ou mais membro do grupo.

O líder do grupo, Will, é um policial de Chicago assombrado por um assassinato não solucionado que presenciou durante a infância, um personagem que é brilhantemente interpretado por Brian J. Smith. Smith entrega toda a confusão do policial que tem um fantasma no passado e tenta se apegar à realidade até que, de subito, percebe que existe algo além de sua compreensão que está diretamente conectado com o assassinato de Sara Patrell, que tudo indica que tenha sido uma sensate também. Will entra numa batalha interna entre a sanidade e a loucura de seus poderes, e é em Riley que ele encontra um pouco de paz. Riley, outra membro do octeto, é uma DJ islandesa que possui um passado conturbado que a fez fugir da Islândia para Londres, onde acaba sendo puxada para um furacão caotico quando presencia seus amigos atacando um traficante para roubar suas drogas. O papel parece cair como uma luva nas mãos de Tuppence Middleton, que consegue passar a vibração de uma garotinha do papai que foi forçada a sair do seu porto seguro e se aventurar pelo mundo, a forma como ela adentra as drogas como uma forma de relaxar e acaba potencializando seus poderes é interessante, ela, uma garota quebrada, é o contraponto perfeito no casal formado com Will, o policial certinho.

Nomi é outra personagem que toma controle da tela quando aparece, uma uma mulher transexual, lésbica, ativista política e hacker que luta pelos direitos LGBT e acaba sendo a primeira a ser encontrada por Sussurros, o que faz ela e sua namorada, Amanita, precisarem fugir e se esconder enquanto tentam descobrir em quem pode confiar e quem está as caçando. O papel cai como uma bomba na carreira de Jamie Clayton, atriz trans que encontra na personagem uma grata surpresa e acaba vendo seu nome ser levado às alturas, mas também surge como uma grande responsabilidade, já que a tarefa de ser a primeira mulher trans de Lana Wachowski, uma cineasta trans, também inclui a tarefa de transmitir um personagem que é inspirada nas próprias experiências da roteirista e saber encontrar espaço para colocar suas próprias experiências. Nomi é uma personagem intensa e muito autobiográficas, e isso reflete completamente no destaque que a personagem tem na trama, e na forma como Nomi se tornou um simbolo que inspirou muitas pessoas por lutar contra o preconceito. Outro personagem que se destaca é Lito, que reflete outro aspecto poderoso entre os LGBT: o dilema de se assumir. Interpretado magistralmente por Miguel Ángel Silvestre, Lito é um ator mexicano de ascendência espanhola, ele é considerado por muitos como um dos maiores simbolos sexuais dos filmes e telenovelas, mas enfrenta o dilema de ser visto como galã pelas mulheres mas ser homossexual em segredo, ele vive escondendo sua relação com Hernando Fuentes (Alfonso Herrera), começa a fingir que está namorando com Daniela Velasquez e começa a ver sua vida desmoronar por causa desse segredo, tudo isso enquanto tem que lidar com as vozes que surgem em suas cabeças e as pessoas invisiveis que enxerga.

Infelizmente para os outros quatro membros do conjunto, a trama focar tanto na jornada de Will, Riley, Nomi e Lito deixa pouco espaço para desenvolver habilmente as tramas pessoais dos outros quatro, ou será que as tramas são tão rasas por si só ao ponto de dispensar o foco? O que importa é que são jornada essenciais para a evolução individual de cada um deles, ao ponto de eles crescerem na narrativa e, quem sabe, ter mais espaço em tela em futuros episódios. Capheus, ou “Van Damme”, é um tímido motorista de van de Nairóbi, no Quênia, que possui um gigantesco senso de justiça, sua grande jornada começa quando ele está tentando desesperadamente ganhar dinheiro para comprar remédios para a mãe soropositiva, mas acaba cruzando o caminho com os SuperPoderosos, o que o coloca numa complicada teia que o prende a Silas Kabaka, um senhor do crime que convida Capheus para trabalhar com ele em troca dos remédios mais caros que a mãe do motorista tanto precisa. O personagem possui uma inocência e carisma que casa completamente com o trabalho de Aml Ameen, mas fica no ar uma sensação de insatisfação quando se fala da trama de Capheus, já que o personagem tem tão pouco uso na trama que quase se torna dispensavel. Sun por outro lado fica precisando apenas de tempo de tela, a personagem em si é muito forte e surge como uma peça central na trama alheia, ela é uma economista formada e filha de um poderoso empresário de Seul, mas não é reconhecida pelo pai por ser mulher. A personagem vivida por Doona Bae também é uma lutadora em ascensão do submundo das lutas noturnas de Seul, e é essa habilidade que faz ela se tornar tão presente nas histórias dos outros protagonistas, lutando para defender Capheus e Nomi quando eles estão em apuros, mas também crescendo aos poucos para reconhecer seu verdadeiro valor e força, infelizmente sua trama é clichê demais para ter um devido destaque.

Falando em trama clichê, Kala acaba trazendo o plot mais clichê possivel, mas incrivelmente necessário para a construção de sua personagem. A personagem de Tina Desai é uma cientista farmacêutica indiana que se vê frente a um grande dilema: ela está prometida em casamento ao filho do dono da empresa em que trabalha, o homem mais desejado por todas as mulheres da empresa, mas não o ama, agora ela precisa escolher entre seguir o que os outros dizem ser melhor para ela ou seguir os anseios de seu coração, e tudo se torna ainda mais dificil quando um certo demônio alemão com uma enorme tromba começa a aparecer para ela, despertando um sentimento que ela não esperava e colocando seu casamento em risco. O grupo se completa com Wolfgang que, além de ser o demônio que aparece pelado na frente de Kala, é um chaveiro e arrombador muito habilidoso de Berlim. Interpretado por Max Riemelt, Wolfie foi criado dentro do crime organizado, herdando de seu pai a habilidade de ser um dos maiores arrombadores de cofres da cidade, ele tem questões não resolvidas com seu falecido pai e todos que o cercavam. Além do grupo propriamente dito, a trama ainda é movida por Sussurros (Terrence Mann), um antigo sensate que se virou contra os seus e começou a liderar uma organização que busca capturar e neutralizar todos que nascem com esse dom, e Jonas (Naveen Andrews), um sensate que faz parte do grupo de Angelica, tendo se apaixonado por ela e, no leito de morte da mulher, tendo prometido ajudar os oito novatos a aprender sobre o que são e como usar suas habilidades.

Ousada e muito bem construida, a primeira temporada de Sense8 entrega muito mais do que prometeu, unindo humor, suspense, ação e aventura, a série usa união como sua vertente principal, uma união completamente fora do comum. Apesar de não ter como negar que há altos e baixos, a série deixa claro desde seu primeiro episodio que não veio para deixar tramas no ar, ela explica tudo e evita deixar as perguntas muito tempo vagando em nossa cabeça, usando de seus sensates inesperientes para tornar o enredo didatico sem ser extremamente complexo, e ainda ter tempo de evoluir cada personagem. Jonas surge como uma peça essencial, guiando o grupo (e os espectadores) pelo redemoinho de alucinações e conceitos tecnicos, criando uma mitologia clara para a série e sem se preocupar em aprofunda-la, usando o artificio da conspiração politico mundial para manter a dinamicidade da trama. Usar diversos países para a construção da história foge completamente do padrão de televisão até então, e talvez essa aposta reflita a megalomania do projeto e o potencial que ele traria consigo. O show sabe se guiar, ele tem espaço para abordar culturas diversas ao mesmo tempo que desenvolve seus personagens, sem criar clichês, é quase como se cada um dos personagens fosse construido de uma forma para representar um publico especifico e consegue ser muito fiel culturalmente, sabendo ter oito estilos diferentes e unir todas elas de forma natural, isso é Sense8, uma ousadia em trazer algo novo e provar que seguir o padrão pode ser bom, mas se arriscar em algo completamente novo é ainda melhor.

“And I say, hey, yeah, yeah-eah
Hey, yeah, yeah
I said, hey! What’s goin’ on?”

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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