Nota
Em 1600, o Japão estava enfrentando uma Guerra Civil muito séria, que viria a definir como o império japonês iria seguir daquela época em diante. O Lorde Yoshii Toranaga (Hiroyuki Sanada) está numa luta para se manter vivo e sobretudo para se manter no poder, já que o conselho de regentes se une cada dia mais contra ele. Mas tudo isso irá mudar a partir da chegada de um navio europeu que foi encontrado perto de uma vila pesqueira. John Blackthorne (Cosmo Jarvis) é um Inglês piloto de navios piratas que achou que ia ter uma sorte grande ao ser a primeira embarcação inglesa a adentrar o Japão, mas logo ele vai descobrir que os portugueses já chegaram bem antes dele e colocaram suas garras nas riquezas japonesas. Preso e sem sua tripulação, John reluta para sobreviver, e é justamente sua teimosia e audácia que irão lhe levar a conhecer o Lorde, e apenas lá ele irá descobrir os planos portugueses pós Tratado de Tordesilhas para dividir os territórios asiáticos entre Portugal e Espanha. A relação de John começa a melhorar com o Lorde, muito por conta de sua tradutora, Toda Mariko (Anna Sawai), que é uma jovem convertida ao cristianismo e que atualmente é prometida de casamento a um samurai de muito prestígio do exército de Toranaga. A premiadíssima série Shogun, acompanha uma saga épica envolvendo paixão e poder, tendo como cenário o Japão feudal que foi dominado pelos jesuítas portugueses.
Shogun, que é uma produção original FX, reúne diversos diretores, seis ao total, para contar o épico japonês do século 16 e 17, com uma produção espetacular que foi muito bem reconhecida nos primeiros meses de 2025 nas premiações de cinema e televisão. Levando os principais prêmios, como o Emmy, Globo de Ouro e Critics’ Choice Awards, nas categorias de Melhor Série Dramática, a produção se consolidou como a melhor série de 2024 e ao assistí-la fica nítido o porquê de tantos prêmios. Apesar do “modesto” orçamento de 25 milhões de dólares por episódio, assistir Shogun é uma experiência cinematográfica a cada episódio, visto que os diretores respeitam muito bem não só a cultura japonesa, mas também as referências de cinema japonês, que são introduzidas também nessa obra estadunidense. A obra também conta com incríveis atuações, que foram também premiadíssimas durante o início de 2025, mas mesmo com alguns prêmios de Melhor Ator para Hiroyuki Sanada, a grande vencedora foi Anna Sawai, que conquistou a crítica, mesclando muito bem uma atuação que funciona bem para audiências estadunidenses e também japonesas. A produção também levou o prêmio de Melhor Elenco de Série Dramática no Sindicato de Atores.
Com tantos prêmios envolvendo atuação, é óbvio que Shogun traz atuações memoráveis. Anna Sawai, que atua em duas línguas, o inglês e o japonês, consegue trazer atuações distintas em ambas as línguas, até porque o japonês usado na série é extremamente formal para se assemelhar ao japonês arcaico da época, então quando a personagem Mariko tem seus momentos ao falar “português” com o John Blackthorne, é quase como um momento de respiro para a personagem, que não precisa manter as aparências formais exigidas pelo ambiente regencial na qual ela está inserida. Apesar de extremamente delicada, Mariko se mostra uma ótima estrategista, o que se consolida pela atuação de Anna Sawai, que não tem grandes exageros, como gritos e cenas explosivas típicas das atuações americanas, ou como maneirismos teatrais típicos da atuação japonesa, onde a atriz nos transporta para a época que sua personagem vive, nos fazendo descobrir como uma mulher dessa época pensava e agia. Já Hiroyuki Sanada, que fez muito sucesso em produções japonesas, mas também contando com participações em diversos filmes estadunidenses, tem uma atuação mais sólida e consistente. O lorde Toranaga não é um personagem de muitas nuances, então Sanada traz toda a sua imponência digna de filmes japoneses clássicos como Seven Samurai (1954), já que o ator encarna bem o estereótipo de autoridade japonesa. Quem também tem um surpreendente destaque narrativo é o personagem de Cosmo Jarvis, ator britânico que ainda não teve tantos papéis de destaque, e que é uma boa surpresa para a dinâmica da série como um todo. O ator que contracena muitíssimo bem principalmente com Anna Sawai, dá muito bem a vida ao audacioso Blackthorne, que na verdade tem diversas preocupações sobre o quanto os seus planos darão certo ou não.
A produção multimilionária de Shogun se mostra principalmente com sua direção de arte. Os cenários construídos para a série são de tirar o fôlego, desde as cidades, até os interiores das casas que nos dão a sensação de estarmos imersos na arquitetura japonesa clássica. A montagem das batalhas também são um fator essencial para a série, visto que um dos seus focos principais é a guerra em si, e nessa parte em específico fica nítida a forte influência estadunidense, sem muitas referências a lutas e sequências de guerra de filmes clássicos japoneses, assim como as locações em navio, com ótimas cenas de tempestades com mar turbulentos, mas também de cenas aquáticas, num geral que são um toque interessante para a dinâmica da série. Ainda assim, a paleta de cores acinzentada não favorece a maioria das cenas fora do ambiente naval, apesar de fazer sentido devido ao clima que a série se propõe de seriedade e dramaticidade, o acinzentamento das cenas promove uma quebra na expectativa do que seria um japão feudal e de produções japonesas num geral, trazendo de fato a tona a estética estadunidense da sua produtora, FX, que produz diversos programas com paleta de cores muito parecidas. E ainda assim, com o orçamento de 250 milhões de dólares, a série não se destaca pelos efeitos de recorte dos personagens nas famosas telas verdes. Em episódios específicos, o desleixo da produção é mais nítido, tendo recortes de fundo muito nítidos, tirando a ilusão de cenário, questão que não é um problema em produções do gênero e com um orçamento parecido.
A premiadíssima série Shogun nos transporta para o Japão Feudal nos apresentando uma saga épica envolvendo paixão e poder. Shogun não apenas impressiona com suas atuações marcantes, direção de arte meticulosa e narrativa envolvente, mas também proporciona uma imersão cultural e histórica excelente para uma produção televisiva. A série consegue equilibrar o drama humano com a grandiosidade da história, especialmente por conta das suas atuações excelentes, em especial de Anna Sawai e Hiroyuki Sanada, oferecendo uma experiência cinematográfica em cada episódio. A série inova ao reunir tanta criatividade vinda de uma colaboração internacional de peso na sua produção audiovisual, unindo talentos de diversas origens para contar uma história que ressoa tanto ao público estadunidense quanto ao público Japonês. Somos transportados para um Japão feudal detalhadamente reconstruído, onde cada cena é visualmente impecável. É uma série que não apenas nos entretém com as disputas de poder entre Japão e Portugal, mas também traz à tona um lado da história esquecido pelo público ocidental, já que, pelo menos para nós brasileiros, os efeitos do Tratado de Tordesilhas para outros países não é algo muito bem discutido, nem em salas de aula e nem em obras audiovisuais.