Review | The Haunting [S1: of Hill House]

Nota
4.5

“A Residência Hill, desprovida de sanidade, se erguia solitária contra os montes, aprisionando as trevas em seu interior.”

No verão de 1992, Hugh e Olivia Crain foram morar na Mansão Hill com seus cinco filhos, Shirley, Steven, Theodora e os gêmeos Luke e Nell. O casal pretende reformar a casa e depois vendê-la mais caro, que é o trabalho deles, mas, quando eventos sobrenaturais começam a surgir, a família Crain precisa fugir desse lugar e dos pesadelos que ali vivem, pesadelos que deixam marcas profundas em todos. Anos depois, quando as crianças se tornaram adultos, novos eventos envolvendo a Mansão Hill volta a envolver a família Crain, o que obriga os irmãos a se unirem para enfrentar os vários fantasmas do passado, tantos os psicológicos quanto os sobrenaturais, enquanto são arrastados por uma forte conexão que, aparentemente, quer todos de volta dentro da Mansão Hill.

Livremente inspirado no livro A Assombração da Casa da Colina, de Shirley Jackson, a série criada por Mike Flanagan busca muito mais derivar da história da casa do que realmente adaptar a história criada pela autora. A produção aproveita o mesmo título em inglês da obra de Jackson e homenageia à obra por meio dos nomes de personagens, citações e acontecimentos, mas, apesar disso, ela ignora completamente os eventos do livro e cria seu próprio desenrolar, transformando Eleanor, Theodora e Luke, os aventureiros que aceitam visitar a Casa na Colina no livro, em três dos cinco irmãos que protagonizam a série. Cheio de liberdade criativa, Flanagan soube o que precisava manter e o que podia criar para tornar tudo inédito ao mesmo tempo que agradável, tendo direito até a criar, como a filha mais velha dos Crain, uma personagem chamada Shirley, uma homenagem direta à autora da obra que baseou a série.

Com dez episódios de cerca de 60 minutos, a série começa sua primeira metade nos apresentando seus protagonistas, mostrando experiências do passado e do presente. Cada um dos episódios começa em algum lugar distante no passado, quando cada um dos irmãos teve contato com os eventos sobrenaturais na Mansão Hill, e vai passando pelos diversos flashbacks que se intercalam com a felicidade dos dias atuais, uma viagem que sempre para exatamente no mesmo lugar: a volta de Nell/Eleanor para a Mansão Hill, seu suicídio misterioso e os efeitos que tudo isso começa a ter na semana que segue a morte, o efeito que a morte da caçula tem em cada um dos irmãos. Com um buraco claro no evento ápice, a trama vai despertando nosso interesse ao mostrar tudo que acontecia na casa e nos faz duvidar do suicídio de Nell, o que nos prepara para viver plenamente os eventos que se desenrolam nos cinco episódios finais. Apesar de fugir completamente do conteúdo da obra original, o show se valoriza pela forma como suas homenagens são capazes de empolgar e emocionar até àqueles que não leram o livro ou não são fãs de histórias de terror.

Inicialmente os episódios nos apresenta mais a fundo cada um dos irmãos, mostrando um pouco sobre a vida que eles levaram depois da casa, as sequelas que remanesceram em cada um deles, e algumas cenas do passado que interferem diretamente na vida de casa um deles. Shirley é a mais velha, ela é a mais incrédula do quinteto e parece estar sempre fugindo de entender o que seus irmãos falam, ela presencia os eventos da casa mas sempre busca uma explicação lógica, crescendo e rapidamente se tornando a mais ‘amiga’ da morte, assumindo, junto com seu marido, a administração de uma casa funerária. A personagem é magistralmente interpretada, quando adulta, por Elizabeth Reaser, que empresta tons de suspense envolventes em cada uma das cenas que protagoniza.

O filho mais velho é Steven, o que menos interagia com os problemas da casa e que acabou não presenciando nenhum dos fantasmas do pesadelo da família. Steven, por outro lado, acaba sendo o que mais se interessa pela casa, depois que cresce ele resolve escrever um livro sobre o que seus irmãos presenciaram, se tornando um sucesso e entrando na carreira de escrever livros baseado em relatos de experiências sobrenaturais. O papel é vivido por Michiel Huisman, que empresta um tom morno ao seu personagem, distante, como se tivesse medo de encarar a realidade por trás da casa, mas que acaba sendo o primeiro a se conectar com os novos eventos. A irmã do meio, Theo, é a que mais apresenta homenagens, ela é uma sensitiva, assim como a personagem do livro que a inspirou, o que a faz ser capaz de ver coisas e sentir pensamentos através do toque, é isso que a permite começar a desvendar os segredos da casa que está morando. Theo cresce e vira uma psicóloga infantil, mas é impossível se envolver completamente nos problemas da mente quando os problemas de outro mundo começam a se reerguer em sua frente. O papel é vivido, de forma precisa e incisiva, pela maravilhosa Kate Siegel, que dá à personagem aquele falsete ideal para uma pessoa que caminha rente a tênue linha do real e do sobrenatural, da logica e da crença, ou da sanidade e da loucura.

Os gêmeos são os grandes vetores da trama sobrenatural, Nell e Luke sãos os que mais são envolvidos pelos eventos fantasmagóricos da casa, são eles que enxergam os fantasmas, são eles que são perseguidos o tempo todo e são eles que nos mostram a verdadeira face da casa. Interpretados, respectivamente, por Victoria Pedretti Oliver Jackson-Cohen, os irmãos são os que crescem mais traumatizados, e que acabam tendo menor tempo de tela nessa nova fase. Luke acabou se viciando em heroína, o que pode ter sido uma tentativa de fuga para os pesadelos que o seguiram da casa, principalmente depois de ele precisar lutar contra todos os monstros e fantasmas que ele encontrou naquela casa. Nell é a grande propulsora da segunda fase do show, ela viveu atormentada pelo passado na casa, ela tentou se afundar numa vida perfeita para fugir de tudo, mas no final a casa a sugou de volta, iniciando todo o ponto de virada da trama no momento em que Nell é encontrada morta dentro da Mansão, o que faz os irmãos precisarem voltar para o local e enfrentar os demônios que pensavam ter deixado esquecidos naquele lugar maldito.

Apesar de não ser uma adaptação fiel ao livroA Maldição da Residência Hill consegue crescer em meio ao terreno cinza paralelo à obra, se desenrolando ao criar uma trama original que se torna muito mais envolvente do que a do livro em si, ver uma família sendo assombrada é muito mais tocante do que ver um grupo de aventureiros explorando o sobrenatural em uma casa abandonada. Com a participação de Lulu Wilson e Mckenna Grace, duas atrizes mirins bastante promissoras, interpretando duas das irmãs na juventude, o show vai fundo ao nos puxar para o centro do mistério que envolve os fantasmas da Mansão Hill, nos fazendo desejar avidamente entender o segredo por trás de Abigail, da Moça do Pescoço Torto, do Homem no Porão, dos Dudley e até dos Hill, segredos que foram enterrados dentro da casa e que são capazes de colocar os Crain em risco, que podem até ter custado a vida de Olivia Crain. A série, que tem um começo meio turvo, um meio bem definido e um final esclarecedor, vai fundo nos pesadelos criados por Shirley e cria um enredo avassalador, que nos cativa e nos deixa ansiosos por entender o que realmente aconteceu na Mansão Hill.

“Está muito mais claro agora, tudo estava fora de ordem, no tempo eu digo. Eu pensei que o tempo era uma linha […] Mas eu tava errada.”

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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